Bolsonaro está acima de todos nas redes sociais? – Carlos Affonso no Tecfront

publicado em

12 de dezembro de 2018

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Em seu discurso de diplomação, Jair Bolsonaro afirmou que “o poder popular não precisa mais de intermediação, as novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes”. Ele tem razão: as redes sociais reduziram distâncias e trouxeram de volta amigos do colégio, colegas de antigos empregos e ex-namorados(as). Se isso é bom ou ruim já é uma outra história. Demorou pouco para a política perceber o potencial dessas ferramentas. Candidatos cada vez mais passaram a usar as redes sociais para falar diretamente com o seu eleitor. Sem barreiras, as redes tornaram o político permanentemente acessível. Assim como na relação entre o fã e uma celebridade onlinetodo mundo ficou a 140 caracteres de distância. Todavia, é equivocado pensar que não existem intermediários quando nos comunicamos através de redes sociais. O Facebook, o Twitter e o WhatsApp não são a Internet, mas sim plataformas desenvolvidas e exploradas por empresas na rede. Cada uma delas estabelece as suas próprias regras de funcionamento, permitindo ou proibindo uma série de condutas que, não raramente, causam espanto quando se descobre a sua existência. Você já leu os termos de uso e a política de privacidade das redes que mais usa? A percepção de que não existem intermediários quando nos comunicamos justamente através dos intermediários na Internet é perigosa. Estamos todos sujeitos às leis aplicáveis ao que acontece na rede e às regras que as empresas usam para gerir as suas plataformas. E isso vale para todos os usuários de todas as aplicações. Será que elas valem também para o Presidente quando ele usa essas mesmas plataformas? Faça o teste: você já bloqueou alguém nas redes sociais? Talvez você tenha feito isso porque esse outro usuário estava te perturbando, sendo inconveniente e atrapalhando a sua experiência naquela plataforma. Não existe lei que obrigue as empresas a disponibilizar uma ferramenta de bloqueio de usuários impertinentes, mas quase todas fazem isso. É bom para os negócios e bom para os clientes. Mas será que o presidente Bolsonaro, ao usar o Twitter, também pode bloquear um usuário que insistentemente reclama de suas postagens? Recentemente, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump foi proibido pelo Poder Judiciário de bloquear usuários no Twitter. E isso não aconteceu na conta da Presidência (@potus), mas sim no que seria a sua conta pessoal (@realDonaldTrump). Segundo a decisão da juíza da Corte Distrital de Nova York: “O presidente apresenta a conta @realDonaldTrump como sendo uma conta presidencial e não como uma conta pessoal e, mais importante, usa essa conta para atuar de modo que apenas o presidente, sendo presidente, pode fazê-lo.” Em seu discurso de diplomação Bolsonaro disse que, a partir de agora, ele será o presidente de todos os brasileiros, sem distinções. Isso significa que ele não pode bloquear um brasileiro que, sendo brasileiro, fica chateando e não desiste nunca? Até agora Jair Bolsonaro tem usado a sua conta pessoal no Twitter (@jairbolsonaro) como uma espécie de Diário Oficial, anunciando nomeações e fazendo pronunciamentos. Será que a mesma lógica da decisão norte-americana vai se aplicar? Mudando de plataforma, vale lembrar que na campanha presidencial o candidato Bolsonaro fez várias lives no Facebook, usando o recurso como canal de comunicação direto com os seus eleitores. Hoje em dia o algoritmo da rede social confere grande preferência para as lives, anunciando para amigos e seguidores que ela está começando e fazendo com que as livesapareçam mais no feed de notícias. Caso isso algum dia mude, será que pode o Presidente da República exigir que o algoritmo continue a privilegiar as transmissões ao vivo em detrimento de notícias e textões? Dificilmente ele teria sucesso. Mas será que a lógica também não pode ser invertida? Na medida em que a rede social continua a privilegiar lives e enviar notificações quando elas começam, não estaria a plataforma atuando como um canal oficial da Presidência? Será que as notificações de live do Presidente não serão o novo “O Guarani”, de Carlos Gomes, a irromper no início da Hora do Brasil? E quanto mais gente compartilha conteúdos da Presidência, mais o algoritmo entende que ele é relevante e faz ele aparecer nos feed de notícias alheios. Curiosamente, sem buscar favorecer qualquer usuário (presidente ou não), a rede social, em busca do viral, pode virar em mídia oficial. Então quando se pergunta se Bolsonaro está acima de todos nas redes sociais, a resposta parece ser não. O Presidente é e será mais um usuário das plataformas, sujeito (a princípio) às mesmas regras, que podem favorecer ou prejudicar a sua atuação online. Em certos momentos, como visto, talvez ele tenha até menos liberdade no uso das redes sociais do que um usuário comum e isso se relaciona com o cargo que ocupa, com as leis nacionais aplicáveis e, por fim mas não menos importante, com as regras de operação das plataformas. Em outros momentos, essas regras podem favorecê-lo ao dar mais destaque a qualquer tipo de conteúdo viral. A provocação do título serve então para que se perceba que, na verdade, os intermediários entre eleitores e seus representantes não desapareceram. Na Internet, o intermediário agora é outro e entender o seu funcionamento será cada vez mais importante para acompanhar o futuro das comunicações políticas na rede. É melhor Jair prestando atenção.

Carlos Affonso Souza

Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade