Efeito GameStop veio para ficar

Coluna semanal de Ronaldo Lemos publicada na Folha de São Paulo

publicado em

9 de fevereiro de 2021

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Movimento é abre-alas de um novo modelo muito mais democrático de mercado

Nas últimas semanas, o mercado de ações foi sacudido com o que podemos chamar de “efeito GameStop”. Trata-se da articulação entre investidores pessoas físicas em fóruns da internet —como o Reddit— para comprar papéis de empresas com baixo valor de mercado e marcas carismáticas (como a Blockbuster) .

Esse movimento atacou também a posição de fundos que apostavam contra a valorização desses papéis. Se eles caíam, os fundos ganhavam. Se subiam, perdiam (e muito).

Esses grupos de investidores fizeram com que vários papéis se valorizassem mais de 700%, levando pânico aos fundos que apostavam contra eles. O movimento não se limitou a ações. A moeda virtual dogecoin (criada como piada em homenagem ao simpático cachorro Shiba Inu, do meme Doge) também explodiu.

Na semana passada, foi a vez da prata. ​No Brasil, há um grupo no aplicativo Telegram chamado CPFs do IRB conversando sobre a ação IRB3, que, após ser especulada violentamente, foi derrubada para um valor irrisório, no qual permanece desde então.

Esse grupo tem perto de 45 mil membros e tem falado sobre a “a revolta das sardinhas”, em referência aos investidores pessoas físicas que acabaram perdendo muito dinheiro no movimento de especulação sofrido pelo IRB3.

Como entender tudo isso? Como já dizia o brilhante Doc Searls no manifesto “Cluetrain”: “Mercados são conversas”. E conversas no mundo de hoje podem facilmente se articular por meio da internet.

Não por acaso a revista The Economist dedicou sua capa desta semana para o que chamou de “revolução em Wall Street”. Analisando o efeito GameStop, a revista preferiu enxergar o lado cheio do copo.

Na visão da publicação, esse tipo de “swarm trading” (“negócios em enxame”) é sinal de uma mudança muito maior: a fusão entre as tecnologias financeiras e as tecnologias da informação. Tudo está virando uma coisa só, e, mais do que nunca, mercados ilíquidos estão se convertendo em conversas fluidas.

Para quem acompanha a trajetória da revista, é especialmente interessante ver como a Economist deu o braço a torcer até mesmo para o bitcoin, elogiado abertamente no editorial da edição desta semana como “tendo saído da periferia para se tornar central, com um valor de mercado de US$ 680 bilhões”. Há nem tanto tempo assim a revista tratava o bitcoin como algo próximo a esquema de pirâmide financeira.

Já na sua perspectiva atual, o movimento simbolizado pela GameStop permitirá cada vez mais tornar ativos ilíquidos em ativos líquidos (incluindo participações societárias em empresas fechadas e até
propriedade imobiliária).

Tudo vai se dissolver na liquidez e na fluidez infinita das conversas da internet. Em outras palavras, tudo irá se “tokenizar”, inclusive os ativos mais encalhados de Wall Street.

Esse movimento é mesmo revolucionário e pode inclusive tornar coletiva a propriedade de ativos pequenos ou grandes, de um imóvel a um liquidificador ou aspirador de pó. É como se tudo se tornasse informação: infinitamente divisível, acessível, circulável.

Por isso nem eu nem a Economist achamos que o caso GameStop seja manipulação do mercado. Ele é, ao contrário, um abre-alas de um novo modelo de mercado que está se consolidando. Muito mais democrático. E, como sabemos, como em toda democracia funcional, também muito mais turbulento.

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