Fake news e ciberataques se fundiram

Coluna de Ronaldo Lemos publicada na Folha de São Paulo

publicado em

21 de setembro de 2021

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MP que acabou derrubada queria impedir a proteção às democracias

No dia 6, foi editada uma medida provisória com o objetivo de limitar o poder das grandes redes sociais de “moderar” conteúdo (MP 1.068). Essa MP quis padronizar os termos de serviços dessas redes, um padrão único por lei.

O resultado não poderia ser diferente: tanto o Supremo quanto o Congresso rejeitaram a MP em sincronia. O primeiro suspendeu sua eficácia. O segundo devolveu a MP. Ambos por meio de decisões bem fundamentadas da ministra Rosa Weber e do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.

Uma regulação como essa jamais seria aceitável em um país como os EUA. A primeira emenda da Constituição americana aplica-se apenas ao poder público. Uma proposta como essa seria vista como afronta ao princípio da liberdade privada e econômica e à livre iniciativa (presentes também na Constituição brasileira).

No entanto, a discussão dessa MP não passa de distracionismo. O objetivo da MP era outro. Seu texto quis passar a mensagem de que as fake news são um problema de liberdade individual. Sua premissa seria que são indivíduos (ou “cidadãos de bem”) que criam e espalham informações falsas.

Nada mais incorreto. A questão das fake news não é individual, mas industrial. Fake news é indústria lucrativa, bem organizada e bem financiada, com comando e controle, funcionários e prestadores de serviço de várias naturezas, incluindo redatores, programadores, agitadores e gestores de redes de robôs e perfis falsos. Tem gente que é parte dessa indústria por razões políticas. Outras fazem parte dela por dinheiro mesmo.

Tanto que o termo “fake news” é em si enganoso. O mais correto seria “comportamento inautêntico coordenado”. Esse termo denota a característica de organização coordenada.

A MP que se tentou editar nada tem a ver com proteger “cidadãos de bem”. Tem a ver com proteger essas redes coordenadas. Seu alvo era impedir que as redes sociais pudessem investigar e derrubar as organizações industriais que produzem fake news.

Isso já está acontecendo. Na semana passada, o Facebook anunciou que vai intensificar o combate a redes coordenadas, analisando padrões e táticas sofisticadas de espalhamento de desinformação. Por exemplo, vai usar ferramentas de investigação de ciberataques para mapear também as redes de fake news.

Isso faz todo sentido. Nos últimos anos, tem havido uma fusão entre a questão das fake news e da cibersegurança. Muitas redes políticas de espalhamento de fake news começaram a ver seu impacto reduzido. Tanto por medidas tomadas pelas redes sociais quanto pelo Judiciário. Com isso, mudaram sua forma de atuação. Passaram a realizar também ciberataques contra instituições públicas, como forma de dar seguimento e até aprofundar seus objetivos de desestabilização.

Essa fusão entre ciberataques e fake news tem um nome: Desinformação Adversarial, Táticas e Técnicas de Influência (Datti). É isso que precisa ser combatido para proteger as democracias. E é isso que a MP 1.068 (e qualquer texto similar a ela) queria impedir.

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