O zumbido no ouvido traz uma mensagem

Coluna semanal de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

17 de outubro de 2023

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Audição tem uma altíssima resolução emocional, mas há o risco de sobrecarga

Não é só a visão que está sobrecarregada por causa da tecnologia. Os ouvidos também estão. Nos últimos oito anos as buscas por zumbido no ouvido (“tinnitus”) no Google explodiram. Também cresceram buscas por “protetor auricular” e “cancelamento de ruído”, mapeadas no Google Trends.

Toda essa hiperatividade aparece também em números. Um dos produtos mais lucrativos da Apple são os fones sem fio Airpods. A empresa tem vendido cerca de 20 milhões deles por trimestre. Sozinhos eles geram uma receita de US$ 14,5 bilhões anuais (R$ 73,22 bilhões), mais do que a soma do faturamento do Spotify e do Twitter. No momento em que você estiver lendo este texto haverá cerca de 100 milhões de pessoas com um par de Airpods no ouvido. Talvez você seja uma delas.

O ouvido é nosso sentido mais íntimo. Escutar um bom podcast gera uma sensação de intimidade que nenhuma outra mídia consegue proporcionar. Afinal, o áudio tem uma altíssima resolução emocional, diferente do vídeo.

Só que isso também aumenta o problema da sobrecarga. Quanto mais intensos são os sons, menos deveríamos estar expostos a eles. O barulho de um café movimentado (90 decibéis) só é tolerado com segurança por até quatro horas. Uma balada ou show pode gerar 115 decibéis. Nesse patamar, bastam sete minutos de exposição para haver a possibilidade de dano.

No mundo de hoje, perdemos totalmente o controle do nosso ambiente sonoro, seja em casa, no trabalho ou em ambientes públicos. Essa perda de controle é o impulso para a busca por plugues, fones de ouvido e tecnologias de cancelamento de ruído. Criadas na década de 1950 para reduzir o ruído na cabine para os pilotos de avião, hoje elas estão em toda parte. São um dos diferenciais dos Airpods da Apple. Você coloca o fone no ouvido, e ele miraculosamente reduz os ruídos do ambiente, criando um isolamento acústico individual.

Como aponta a colunista de ciências do jornal The Guardian, Donna Lu, múltiplos estudos mostram que o uso constante de plugs podem também originar zumbido de ouvido. No próprio site da Apple há um fórum de discussão se o uso dos Airpods não está causando zumbidos no ouvido. Há diversos relatos e mais de 2.800 pessoas concordando que o problema se aplica a elas.

Curiosamente, a indústria de fones de ouvido e de aparelhos auditivos parece estar vivendo um momento de convergência. Por exemplo, a popular marca de fones Sennheiser é de propriedade da Sonova, fabricante de aparelhos auditivos e implantes cocleares. A própria Apple faz marketing dos seus Airpods como podendo ser usados para auxílio auditivo. Fica a impressão de uma espécie de veneno-remédio: uma espécie de laxante de chocolate, em que o chocolate causa a constipação que pode ser melhorada pelo laxante.

Apesar de haver avanços hoje em vários temas relacionados a bem-estar, alimentação e saúde mental, a saúde auditiva permanece de maneira alarmante na periferia da nossa consciência coletiva. Para quem tem zumbido no ouvido, vale lembrar que ele traz consigo uma mensagem: não deixar que nossa negligência e descuido, como indivíduos ou como sociedade, nos dirija ao caminho do silêncio irreversível.

Já era o ouvido nu

Já é a predominância dos fones de ouvido

Já vem a predominância dos aparelhos auditivos

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