Seis pontos sobre ‘Infocracia’, livro de Byung-Chul Han

publicado em

14 de novembro de 2024

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O projeto “Seis pontos” tem como propósito apresentar uma obra, seja um livro, filme ou relatório de pesquisa. Nosso objetivo é sintetizar alguns de seus principais argumentos, sem substituir o acesso à obra original. Queremos, em suma, oferecer um mapa que motive o leitor ou a leitora a explorar o caminho por si mesmo.

sobre o autor da obra

Byung-Chul Han

nasceu na Coreia do Sul em 1959. Ao se mudar para a Alemanha nos anos 1980, estudou literatura e filosofia. Defendeu sua tese de doutorado em 1994 e vem se dedicando a temas como ética, antropologia cultural, a sociedade digital, o capitalismo, o poder e a cultura contemporânea. É autor de diversas obras, entre elas “A Sociedade do Cansaço”, sua obra mais famosa, em que explora a pressão pelo desempenho e suas consequências para o indivíduo, “A Agonia de Eros”, “No Enxame”, “Não-Coisas”. Seus livros são publicados no Brasil pela Editora Vozes.

6 pontos

Em Infocracia, Byung-Chul Han discorre sobre as consequências provenientes do surgimento e popularização da internet no cenário democrático atual


O livro foca em expor as mudanças na percepção social dos fatos e acontecimentos em razão do controle do comportamento psicopolítico. Este conceito, criado por Han, se caracteriza como uma técnica de controle psicológico da consciência política coletiva visando à manutenção do sistema dominante. Isso seria feito, principalmente, mediante uma ilusão de liberdade, conduzida pela digitalização dos meios de comunicação, que justificaria uma submissão voluntária à vigilância. O livro, a partir disso, nos instiga a pensar se somos realmente tão conscientes das nossas opiniões e escolhas em uma era de constante modulação algorítmica e, ainda, como isso impacta a democracia.

 

Para tratar do conceito de psicopolítica, o autor parte da análise das ideias de Foucault


Han identifica uma atualização na teoria do panóptico após a popularização da internet. As principais razões deste deslocamento teórico seriam: a exposição constante nas redes sociais, o excesso de informação e o advento dos algoritmos. Isso porque, ao contrário do regime de individualização e observação típicos da invenção de Bentham, não é mais necessário a coação para a vigilância. “No regime da informação, as pessoas se empenham por si mesmas à visibilidade, enquanto no regime disciplinar isto lhes é imposto”(p.14). Ou seja, essa visibilidade não se dá mais pelo isolamento (imposto), mas pela conexão (voluntária). Nem Aldous Huxley e George Orwell conseguiram chegar a esse ponto.

 

Não há resistência política quando sentimos que somos seres plenamente livres


Para o autor, é necessário que haja uma fantasia de emancipação para manter o regime da informação. Isso porque “não é a consciência da vigilância permanente que garante o funcionamento do poder, mas a liberdade sentida” (p.19). E o contraponto disso é que o ganho do poder se dá pelo acesso/posse das informações. Carl Schmitt disse, após a Primeira Guerra Mundial, que soberano é quem decide sobre o Estado de Exceção; após a Segunda Guerra, é quem dispõe das ondas no espaço. Parafraseando o autor alemão, “soberano é quem dispõe das informações em rede” (p. 24).

 

A partir desta fantasia emancipatória, o livro expressa que estamos submetidos ao controle constante em razão da vigilância voluntária a que nos submetemos


Isso porque toda essa exposição cria um arcabouço de dados e informações valiosas para computar e prever comportamentos, gostos e preferências partidárias. Esse conjunto de elementos é utilizado para personalização algorítmica que nos apresenta outros conteúdos similares e nos leva a uma uniformização de vieses. Essa padronização limita a nossa capacidade discursiva e, por consequência, afeta nossa consciência comunitária. “A sociedade perde, com isso, o comum, o espírito público. Não ouvimos mais o outro de maneira atenta. Ouvir atentamente é um ato político, à medida que só com ele as pessoas formam uma comunidade e se tornam capazes de discursar” (p.62). Em uma época em que os debates políticos se converteram em performances, com tempo de fala encurtado e discursos desviantes dos temas propostos, o que há – sabemos bem – é show e propaganda (p. 30), não narrativa e escuta. Aliás, a esse propósito, remetemos o/a leitor/a a nosso outro texto sobre a obra de Byung Chul-Han, onde tratamos da importância da narrativa como forma de superar a fragmentação cacofônica em que vivemos.

 

A fragmentação cultural nos conduz à radicalização política


Esta é uma das teorias que Han aborda em seu livro. Isso porque, para o autor, a desintegração da cultura, resultado da globalização e digitalização das relações sociais, desfaz as certezas e conhecimentos sobre os fatos da vida. A “desfatualização”- como diz o autor – está conectada a uma carência de pertencimento a espaços de identificação coletiva. Dessa forma, a falta de um discurso narrativo comunitário afeta a compreensão da realidade material. “A digitalização, ou seja, o mundo informatizado, não é nada sólida ou tenaz. Ao contrário, é moldável e manipulável à vontade” (p. 93). Neste contexto, a ausência de identidades se apresenta como um campo fértil à disseminação de teorias conspiratórias e a formação de tribos digitais radicalizadas. “Teorias da conspiração são resistentes às checagens de fatos, pois são narrativas que fundam, apesar de sua ficcionalidade, percepções da realidade.” (p.99). Como consequência, há um prejuízo massivo do processo democrático. Segundo o autor, uma vez que a democracia é lenta, prolixa e tediosa, essa infodemia é um risco ao qual precisamos resistir (p. 45). Toda a obra de Byung Chul-Han é, na verdade, um convite à resistência.

 

Assim, a ausência de concretude fática se reflete em uma desconfiança social generalizada


Em meio a abundância de conteúdos, há uma significativa insegurança discursiva. Han, acerca disso, entende que o excessivo acesso a conteúdos é paradoxal, pois, ao mesmo passo em que cria uma sociedade informada e transparente, reforça uma incerteza na veracidade dos fatos. Isso porque, para o autor, as informações são meramente dados vazios de significado, enquanto a verdade é um estabilizador que busca promover sentidos. A falta de orientação, nesse contexto, favorece o consumo e a disseminação de fake news. O livro de Han, portanto, expressa que a perda desta segurança narrativa conduz a uma fragilização das instituições democráticas. “A democracia não tolera o novo niilismo. Ela exige um falar a verdade. Apenas a Infocracia se sustenta sem a verdade” (p.100). Assim é que o autor encerra em tom pessimista. Se para Hannah Arendt a verdade tem a solidez do ser, na ordem digital, o que nós temos é a fugacidade da informação. Para Han, teremos de nos contentar com informações porque a era da verdade já passou. Será? Que mecanismos temos, como sociedade, para devolver à busca da verdade a importância que sempre teve?

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