Julgamento nos EUA: qual a chance real de fatiarem a Meta por monopólio?

Coluna de Carlos Affonso Souza no Uol Tilt.

publicado em

17 de abril de 2025

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A FTC dos EUA processa a Meta por práticas anticompetitivas, buscando desmembrar a empresa e separar Instagram e WhatsApp para combater monopólio

Todo mundo adora uma mitologia de retorno prometido. Dom Sebastião um dia vai voltar para salvar Portugal, assim como o rei Artur, mesmo sem nunca ter existido, jamais deixará a Inglaterra na mão.

No campo da tecnologia, a todo momento surge uma ação judicial que promete repetir o efeito da ação antitruste que, nos anos 80, mirou as práticas da AT&T e acabou por forçar a divisão da gigante das telecomunicações em outras empresas menores.

Quanto mais onipresentes se tornam as grandes empresas de tecnologia, mais se especula se, quando —e através de qual ação— um resultado semelhante ao ocorrido com o setor de telecomunicações nos EUA poderia se materializar no campo das big techs.

A ação antitruste contra a Meta

A bola da vez é uma ação antitruste movida pela FTC (Comissão Federal de Comércio) dos EUA contra a Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp. O governo norte-americano acusa a empresa de práticas anticompetitivas ao adquirir o Instagram (em 2012) e o WhatsApp (em 2014) para consolidar um monopólio nas redes sociais.

A FTC pediu, dentre outras medidas, o desmembramento da Meta, separando assim Instagram e WhatsApp como empresas independentes.

Os argumentos em disputa

A FTC sustenta que a Meta usou seu poder financeiro para neutralizar ameaças emergentes, pagando altos valores (US$ 1 bilhão pelo Instagram e US$ 19 bilhões pelo WhatsApp) para eliminar concorrentes no mercado de redes sociais. Segundo a agência, essas aquisições privaram os consumidores de alternativas, reforçando a posição monopolista e prejudicando a inovação.

A Meta, por sua vez, argumenta que as aquisições foram legais e inclusive aprovadas pela própria FTC, além de beneficiarem os consumidores. A empresa afirma que transformou Instagram e WhatsApp em plataformas globais, investindo bilhões em infraestrutura e novas funcionalidades, como Stories e Reels.

Além disso, a empresa contesta a visão da FTC sobre o chamado mercado relevante para a decisão do caso. Esse talvez seja um dos pontos mais interessantes e que pode definir o rumo da ação.

Qual é o mercado relevante?

No coração do julgamento está a definição do “mercado relevante”, um conceito fundamental no direito antitruste que delimita o espaço competitivo a partir do qual a conduta de uma empresa é avaliada. O mercado relevante abrange diversos elementos, como o produto ou serviço em disputa —os produtos são substituíveis entre si?— ou mesmo a área geográfica da concorrência. A forma como o tribunal vai definir esse mercado pode ser determinante para o desfecho do caso.

A FTC definiu o mercado relevante como sendo o das “redes sociais pessoais” (personal social networking services, ou PSNS), um segmento focado em plataformas que promovem conexões interpessoais entre amigos, familiares e conhecidos. Características como interações bidirecionais (ex.: amizades mútuas), feeds personalizados e mensagens privadas são centrais nesse mercado.

Para a FTC, o Facebook dominava esse espaço, e as aquisições de Instagram e WhatsApp eliminaram rivais emergentes, consolidando um monopólio. Plataformas como TikTok (voltada para vídeos curtos), YouTube (conteúdo sob demanda) ou X (debates públicos) não seriam concorrentes diretos, pois atenderiam a funções distintas.

A Meta rejeitou essa definição restrita, argumentando que compete em um mercado muito mais amplo, onde os usuários buscam conexão, entretenimento, informação e comércio. Segundo a empresa, Facebook e Instagram não se limitam a redes pessoais, já que usuários consomem notícias, seguem criadores, compram produtos e assistem a vídeos, colocando a Meta em concorrência com TikTok, YouTube, X e até serviços como Snapchat e Pinterest.

Ao trazer tantas outras empresas para a disputa, a posição da Meta se torna muito mais diluída do que quando se foca apenas no conceito de redes sociais pessoais. Aqui a discussão ganha contornos interessantes, já que o tom mais pessoal das redes sociais poderia até fazer sentido lá atrás, mas hoje parece que esses aplicativos viraram outra coisa, com pessoas seguindo e interagindo muito mais com perfis de criadores de conteúdo e influenciadores. Um executivo do próprio TikTok chegou a afirmar que o aplicativo não era mais uma rede social, mas sim uma “plataforma de entretenimento”.

Um julgamento no olho do furacão

O julgamento da Meta deve seguir adiante pelos próximos meses, já tendo contado com o testemunho de Mark Zuckerberg. O caso ganha contornos adicionais com a transição política nos EUA: a posse de Donald Trump em janeiro de 2025 e a nomeação de Andrew Ferguson como presidente da FTC podem alterar o tom da conversa.

Quebrar a família de aplicativos da Meta —uma medida sem precedentes no campo das big techs— poderia abrir espaço para novos concorrentes, mas não necessariamente americanos. O surgimento meteórico do TikTok e as rápidas transformações no cenário tecnológico mostram que a competição pela nossa atenção é verdadeiramente global.

Por isso, é preciso acompanhar o julgamento da Meta com um olho nas definições do processo (como a de mercado relevante) e outro nas movimentações políticas, como a aproximação das grandes empresas de tecnologia com a Casa Branca.

Se tem uma coisa que a curta história das redes sociais já ensinou é que as posições de predominância tecnológica são constantemente desafiadas por tendências, novidades e até mesmo por uma certa troca da guarda geracional. Jovens não querem estar na mesma rede social que os seus pais e esse fator não é desprezível na decisão sobre qual aplicativo usar (e como usá-lo).

Ainda é cedo para cravar um resultado, mas se pudesse apostar, a partir do que estamos vendo hoje, parece difícil que seja essa a ação que vai incarnar o espírito da quebra da AT&T e reconfigurar todo o mercado de redes sociais.

Os EUA estão disputando com a China a posição de dominância tecnológica na segunda metade dos anos 20. Ao quebrar a Meta, as novas empresas resultantes desse movimento iriam precisar de um tempo para se estruturar. Se os Estados Unidos quiserem vencer a corrida contra os seus “adversários estrangeiros” —para usar a linguagem da lei que obrigou a venda do TikTok—, esse é um tempo que o país de Donald Trump não vai querer perder.

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