Está pronto para ter IAmigos? IA cria ‘muleta’ e afasta conexão genuína

Coluna de Carlos Affonso Souza no Uol Tilt.

publicado em

9 de maio de 2025

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IAmigos, amigos virtuais criados por IA, podem substituir interações reais, mas carecem de reciprocidade genuína

Quantos amigos ou amigas você tem? O número que você pensou parece suficiente para construir uma rede de relacionamentos saudáveis e baseados em mútua confiança? E se ele não for satisfatório, você toparia adicionar alguns novos amigos que já chegariam sabendo do que você gosta, os seus hábitos e suas aspirações?

Acontece que essas novas amizades não seriam novas pessoas entrando na sua vida, mas sim criações embarcadas em aplicativos de inteligência artificial. Você está pronto para ter IAmigos?

Quanto mais a inteligência artificial caminha rumo à personalização das nossas experiências com o uso dessas ferramentas, mais elas passam a nos conhecer. Se no universo das redes sociais personalização significa ver conteúdos customizados no feed, e no comércio eletrônico ter sempre na mão uma lista de produtos que podem lhe interessar, a IA customizada promete ser mais do que um (a) assistente pessoal, podendo também ser um (a) amigo (a), conselheiro (a) ou algo mais.

A era da solidão digital

Em 2018 falamos sobre como a Internet estava reinventando a solidão: ela nos aproxima de pessoas do outro lado do mundo, mas frequentemente nos afasta de quem está ao nosso lado. Lá atrás já tínhamos ligado o alerta de que a oferta permanente de personalização (de ter sempre o que lhe interessa) estava corroendo a nossa atenção e dificultando a formação de laços em situações que oferecem um mínimo de adversidade.

Se dentro das telas eu só vejo o que gosto, por que perder tempo na vida real? Acontece que o tempo que se passa dentro da tela também transcorre na vida real e mais e mais pessoas estão ficando bitoladas.

A IA tem o potencial de agravar esse cenário. Embora chatbots ofereçam interação instantânea e personalizada, eles carecem da reciprocidade que define as relações humanas. Como apontado por Sherry Turkle, professora do MIT, confiar em máquinas para companhia pode levar a menos relacionamentos humanos seguros e satisfatórios. A IA, ao simular empatia sem realmente senti-la, pode reforçar o ciclo de isolamento, oferecendo uma muleta emocional que não resolve a raiz do problema: a necessidade de conexão genuína.

Os “AI Friends” de Zuckerberg

Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciou recentemente uma visão ousada: usar IA para combater a “epidemia de solidão”. Em uma entrevista com o podcaster Dwarkesh Patel, ele afirmou que o americano médio tem menos de três amigos, mas que o desejado seria algo perto de 15. Nesse sentido, chatbots personalizados poderiam preencher a lacuna. Zuckerberg prevê que, com o tempo, a sociedade desenvolverá o “vocabulário” para valorizar essas relações virtuais.

Mas será que isso é uma solução ou um aprofundamento do problema? Amigos de verdade oferecem apoio mútuo, desafiam nossas ideias e compartilham experiências imprevisíveis. Um chatbot pode até simular diálogos, mas substituir conexões reais por interações algorítmicas pode atrofiar nossas habilidades sociais, tornando-nos menos aptos a enfrentar rejeições ou vulnerabilidades.

Encontrando a transcendência no ChatGPT

A promessa de conexão da IA pode ser especialmente complexa para pessoas que estão buscando sentido e validação em um mundo caótico. Um artigo recente da Rolling Stone destacou casos de indivíduos que desenvolveram delírios espirituais após interações com o ChatGPT. Uma mulher relatou que seu parceiro, após semanas usando o chatbot, passou a acreditar que era o “próximo messias”, com a IA alimentando narrativas de grandeza espiritual.

Outro caso envolveu um homem cuja esposa, após a separação, começou a “conversar com Deus e anjos” via ChatGPT, convencida de que tinha uma missão divina. Esses episódios, descritos como “psicose induzida por ChatGPT”, mostram como a IA pode amplificar tendências preexistentes.

Todos nós precisamos de histórias para dar sentido à vida. Um terapeuta, por exemplo, ajuda a construir narrativas que promovem resiliência e autocompreensão, sempre ancoradas na realidade. No entanto, a IA não tem o discernimento de um profissional e pode reforçar ideias delirantes, simplesmente porque é projetada para gerar respostas que agradem ou confirmem o que o usuário está buscando. Diferentemente de um terapeuta, que evitaria fantasias ou missões cósmicas, um chatbot pode alimentar essas ilusões, especialmente quando o usuário já está inclinado a acreditar nelas. O resultado é uma desconexão ainda maior da realidade, com impactos devastadores em relacionamentos e na saúde mental.

Calibrando as expectativas com a IA

A IA está aqui para ficar, e seu potencial é inegável — de ferramentas que auxiliam na comunicação a assistentes que simplificam tarefas diárias. Ela pode até oferecer um espaço seguro para praticar diálogos ou explorar emoções. Mas enxergá-la como um substituto para conexões humanas é um erro perigoso. A solidão não será resolvida por chatbots que simulam amizade, mas por esforços coletivos que priorizem a interação real — desde políticas públicas que promovam espaços comunitários até mudanças culturais que valorizem o esforço de construir laços.

Precisamos calibrar nossas expectativas com o que a IA vai possibilitar nesse contexto. A IA pode ser uma aliada, ajudando-nos a entender melhor as dinâmicas das conexões humanas, mas não deve ser um atalho para a intimidade genuína. Para combater a solidão digital, o caminho é investir em relações recíprocas, mesmo que isso signifique enfrentar o desconforto e a imprevisibilidade de um mundo que – até aqui – não dependeu de IAmigos.

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