A importância da LGPD no contexto da inteligência de dados

Artigo de Chiara Spadaccini de Teffé

publicado em

20 de maio de 2022

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O tratamento de informações pessoais ocorre de forma cada vez mais rápida e integrada, possibilitando inferências, predições e o profiling de indivíduos e grupos. Nesse cenário, a hiperconexão de dispositivos e a inteligência de dados representam instrumentos para o desenvolvimento de avançados ambientes de vigilância e identificação, o que exige a efetiva aplicação das normas pertinentes à proteção de dados pessoais – reconhecida como direito fundamental –, de modo a se garantir a liberdade e a igualdade material das pessoas.

Na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foram estabelecidas tutelas de natureza jurídica, técnica e administrativa às informações relacionadas à pessoa natural, devendo tais tutelas serem implementadas durante todo o ciclo de processamento dos dados, seja ele realizado pelo setor público ou privado. Quando pertinente, indica-se o desenvolvimento de políticas específicas de compliance, avaliações prévias de impacto e instrumentos de prestação de contas. A aplicação direta de sua principiologia mostra-se também de grande relevância para os tratamentos desenvolvidos, havendo ênfase na finalidade pretendida, segurança, prevenção de dados, não discriminação, minimização de dados e transparência. 

Inclusive, certas categorias de informações pessoais – pela sensibilidade, natureza e qualidade das informações que guardam – receberam garantias ampliadas, diante de possíveis cenários de preconceito e discriminações ilícitas ou abusivas que podem ser produzidas, havendo o tratamento indevido dessas informações. No Art. 5º, inciso II, da LGPD foram selecionados como sensíveis dados pessoais sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural.

Verifica-se, na categoria em questão, importante conteúdo relacionado à intimidade, identidade pessoal, imagem e igualdade material das pessoas. Adicionalmente, há informações sensíveis que vêm integrando a esfera pública em que se encontra seu titular, constituindo as convicções que ele deve poder manifestar publicamente e que fazem parte de sua identidade pública. A seleção sobre quais dados são sensíveis demonstra que o tratamento de determinadas informações pessoais pode acarretar maior risco ou mesmo danos aos seus titulares em uma determinada configuração social, política e econômica. A compreensão sobre os mecanismos que devem ser empregados na tutela dos dados pessoais atravessa um entendimento sobre as dinâmicas discriminatórias articuladas nas sociedades, assim como acerca das vulnerabilidades enfrentadas pelas pessoas, em razão, por exemplo, da idade e de questões de saúde, fáticas, técnicas ou informacionais. Cabe ao Direito, portanto, atuar tanto no aspecto preventivo da proteção de dados, valorizando a autonomia das pessoas e impondo deveres específicos aos agentes de tratamento, quanto no aspecto ressarcitório, buscando compreender as violações à privacidade e aos dados pessoais e oferecendo instrumentos para a efetiva compensação dos danos sofridos.

Diante do desenvolvimento de tecnologias cada vez mais sofisticadas para o tratamento de dados, da maior aplicação da inteligência artificial em sistemas e processos e da ampliação da capacidade de armazenamento de informações, mostrou-se urgente a edição e a atualização de legislações (em âmbitos nacional, regional e internacional) que visem a tutelar de maneira mais específica os dados pessoais. Até o momento, aproximadamente 140 países já adotaram legislações para garantirem a proteção dos dados e da privacidade da pessoa natural. Muitos instituíram também – como foi o caso do Brasil com a ANPD – autoridades nacionais responsáveis pela efetividade das normas voltadas à temática.

Realizar a distinção entre o que é um dado pessoal e o que não é vem se tornando mais difícil e depende, muitas vezes, de uma análise contextual. O progresso tecnológico permite que, de forma rápida, fácil e acessível, dados sejam vinculados a indivíduos ​​de maneiras antes não previstas. Dados que não pareçam relevantes em determinado momento ou que não façam referência a alguém diretamente, uma vez transferidos, cruzados e/ou organizados, podem resultar em dados bastante específicos sobre determinada pessoa, trazendo informações, inclusive, de caráter sensível sobre ela. A preocupação, além de envolver o dado em si, engloba também a finalidade do tratamento realizado e as possibilidades de processamentos posteriores. Adicionalmente, sabe-se que muitos bancos de dados “anônimos” podem ter seus dados vinculados novamente aos seus titulares, se utilizadas técnicas específicas e cruzamentos de informações. 

A tecnologia expande o alcance da capacidade humana, registrando referências geográficas, preferências pessoais, dados sensíveis e pessoas com quem nos relacionamos em diferentes esferas. Para a melhor garantia dos direitos fundamentais, há que se definir, além de hipóteses específicas para o tratamento de dados, quando, onde, como e para quais finalidades poderão ser tratadas as informações pessoais, devendo ser estabelecidas salvaguardas à pessoa humana, bem como proteções específicas para os sujeitos em concreto, levando em conta assimetrias e vulnerabilidades.

Dentro de um contexto de web 4.0, não parece fazer sentido considerar um dado ou um conjunto de dados pessoais de forma isolada e estática, mas sim dentro de uma perspectiva dinâmica e funcional, que considere diversos fatores, sujeitos e possibilidades de tratamento. Há cada vez mais formas de análises que podem identificar indivíduos e revelar dados sensíveis sobre eles. Levando isso em conta, a LGPD trouxe um novo e significativo referencial para a questão, sendo necessário nesse momento discutirmos a interpretação e as possibilidades de aplicação da referida norma.

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