A Lei de Proteção de Dados é elitista?

Leia a coluna da semana de Ronaldo Lemos para Folha de S. Paulo

publicado em

15 de março de 2022

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Estudo na França aponta que principais usuários são homens, de capitais e com diploma

Seria a Lei Geral de Proteção de Dados elitista, capaz de beneficiar apenas quem tem dinheiro e ensino superior? Essa pergunta ainda não foi feita no Brasil, mas ganhou uma resposta recente na França, país que é pioneiro na proteção de dados.

Em estudo publicado pelo laboratório de inovação da autoridade francesa de proteção de dados (a CNIL), a constatação é que o conjunto de direitos que chamamos de “proteção de dados” é exercido por um segmento privilegiado da população. O estudo levou em consideração os pleiteantes desses direitos e conduziu entrevistas em profundidade com os usuários da CNIL.

Os dados são incômodos. Os usuários da proteção de dados são essencialmente homens (62%), pertencentes a elites profissionais, com diploma universitário com super-representação de portadores de título de mestrado (segmento ínfimo da população). A maior parte com idade entre 30 e 49 anos. Além disso, há super-representação de pessoas que vivem na capital do país, em detrimento das demais regiões e cidades do interior.

A partir de dados de outra pesquisa nacional, o estudo afirma que 68% da população francesa conhece a autoridade de proteção de dados (a CNIL). No entanto, entre a população sem ensino superior, esse número cai para 47%. Já entre a população que pertence à elite profissional, o número salta para 93%.

A preocupação com proteção de dados cresce de acordo com o posicionamento socioeconômico. Outro dado mostra que só 20% das pessoas sem ensino superior dizem se importar com proteção de dados. Já entre a elite, 47% afirmam ter tomado alguma medida para proteger dados nos últimos seis meses antes da pesquisa.

Outra questão é que o exercício do direito à proteção de dados tem ocorrido especialmente com relação a interesses individuais. Casos típicos incluem pessoas querendo excluir informações que ameacem sua reputação. Um caso comum são homens entre 25 e 45 anos, diplomados, buscando suprimir informações desabonadoras de bancos de dados.

Dentro desse universo já bastante restrito, há também os chamados “repeat players”. Pessoas que descobrem que podem tirar vantagem pessoal desses direitos e passam a usar o sistema de proteção repetidamente. Dos entrevistados pela CNIL, 27% eram “repeat players”.

O estudo francês gera ao menos duas reflexões. A primeira, de cautela. No Brasil, a Lei de Proteção de Dados é recente e tem sido usada inclusive para suprimir o acesso a dados de interesse público. É preciso cautela para que mais distorções, como as identificadas na França, não criem raiz entre nós. O segundo é a importância de estudos de sociologia jurídica como esse. É essencial entender como os direitos são aplicados na prática e quem de fato se beneficia deles.

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