App de rádio explode na pandemia

Coluna de Ronaldo Lemos publicada na Folha de São Paulo

publicado em

20 de abril de 2021

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Cada pontinho no globo terrestre da tela representa uma rádio daquele lugar

Um aplicativo que até há pouco tempo era usado só por aficionados explodiu em audiência na pandemia. Trata-se do Radio Garden, app que permite ouvir estações de rádio de todas as partes do mundo gratuitamente.

Uma das suas características mais legais é que sua interface é um detalhado globo terrestre. À medida que você vai girando, vão aparecendo milhares de pontinhos verdes pela tela. Cada um deles é uma estação de rádio localizada naquele lugar. Basta ir até ela que sua programação ao vivo começa a tocar imediatamente.

A experiência é fascinante. Dá para ouvir a Aywa FM, do Sudão, que está com uma programação especial de cantos para o atual período de Ramadã. Tem também a Radio City Metal, de Mumbai, na Índia, que só toca metal pesadíssimo o dia todo, algo inconcebível nas ondas de rádio brasileiras. Dá para ouvir a Rádio Calheta, da Ilha da Madeira, especializada no que há de melhor do pop romântico português. Ou ainda a Rádio Guandong, na China, que alterna música ocidental com clássicos cantoneses.

Esse giro pelo mundo traz sentimentos antigos. Lembra quando, muito tempo antes da internet, era possível sintonizar o rádio nas frequências de ondas curtas (OC) durante a noite e, com um pouco de sorte, captar rádios internacionais transmitindo em várias línguas, como o BBC World Service.
Com pessoas no mundo todo isoladas em casa pela pandemia, não é surpresa que tanta gente tenha sido acometida por “sentimentos oceânicos” e compelida a baixar o Radio Garden. Nos últimos 60 dias, o site e o aplicativo tiveram 15 milhões de usuários, um aumento de 750% no número de pessoas que normalmente visitam o portal.

Também reveladora é a história de como o Radio Garden foi criado. Ele surgiu como um projeto de pesquisa sem fins lucrativos em 2016, financiado pelo Instituto da Visão e do Som em Amsterdã, instituição pública da Holanda. A ideia era pesquisar como o rádio é capaz de promover encontros transnacionais. O que faz todo sentido. Basta perguntar para qualquer morador de Belém do Pará, por exemplo, que ela irá relatar como a proximidade com as rádios do Caribe influenciou a música local, do carimbó ao tecnobrega.

Em 2018, o Radio Garden migrou de projeto de pesquisa para se tornar uma pequena empresa startup. Curiosamente, no início havia apenas 7.000 rádios disponíveis. Hoje, são mais de 30 mil e há uma fila de estações globais se inscrevendo para ter o seu sinal incluído no projeto.

Mais do que isso, o crescimento do Radio Garden sinaliza também uma fadiga com algoritmos. Os sites de streaming de música têm um papel importante, mas, depois de um tempo, os algoritmos acabam levando a algum tipo de câmara de eco. Você fica preso no seu próprio gosto musical, e músicas do mesmo tipo que você já escuta se tornam padrão. Nesse sentido, o rádio representa um retorno à curadoria musical feita por humanos. Nisso o Radio Garden é imbatível.

É fascinante descobrir a diversidade incrível que existe no planeta, traduzida em música. E também as similaridades e os pontos em comum, que frequentemente acabamos por ignorar. Bon voyage!

READER

Já era Ouvir rádio de ondas curtas para pegar estações internacionais

Já é Ouvir músicas escolhidas por algoritmos de acordo com seu “mood” emocional

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