Audrey Tang, maior nome da democracia digital, está no Brasil

Coluna de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

25 de junho de 2024

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País precisa ir além de marco regulatório com inspiração clara no modelo europeu

A passagem da Índia na presidência do G20 deixou marcas profundas. O país levantou a bandeira da chamada Infraestrutura Digital Pública (DPI – Digital Public Infrastructure). A ideia de que é importante construir plataformas digitais no interesse público, como é o caso do Pix ou do SUS Digital. O poder da proposta indiana influenciou o mundo todo.

Agora é o Brasil, que está na presidência do G20. O país escolheu o tema da regulação da inteligência artificial como um dos motes da sua atuação no digital. No entanto, corremos o risco de dar com os burros n´água e de que a presidência brasileira, diferente da indiana, não tenha impacto relevante.

A razão é que, até o momento, a principal ação que o Brasil quer mostrar para o mundo no digital é a aprovação no país de uma lei para regular a inteligência artificial. Só que a lei “brasileira” é diretamente inspirada pelo modelo europeu. Estudo publicado pelo Movimento Inovação Digital apontou que “cerca de um terço dos instrumentos da lei brasileira fazem referência ao marco europeu, indicando uma evidência do ´Efeito Bruxelas’”. O estudo aponta que 95% do texto brasileiro serve para criar obrigações ou estruturas burocráticas. Apenas 5% trata da questão da competitividade do país. A palavra emprego (no sentido de trabalho), que é a preocupação central sobre inteligência artificial, sequer aparece no texto de forma relevante.

Nesse aspecto a lei brasileira é diferente da europeia. Lá houve a criação de vários instrumentos para que a Europa pudesse garantir empregos e se tornar competitiva no setor de inteligência artificial. Nenhum desses pontos europeus entrou na lei brasileira, só a parte de obrigações lá originada entrou.

Para que o Brasil brilhe no G20 o caminho é muito claro. O primeiro passo é a união entre os diversos setores da sociedade. O processo pelo qual a lei brasileira foi elaborada gerou divisões e insatisfação. Há a percepção de que as consultas à sociedade não foram suficientes. O exemplo mais recente disso foi o prazo de 14 dias anunciado informalmente para se contribuir para o texto atual, publicado em 24 de abril e encerrado 8 de maio. Duas semanas para analisar 33 páginas de texto, com 66% de conteúdo inédito, não é suficiente. Ou seja, uma lei de inteligência artificial com uma consulta à sociedade também artificial.

Mas dá para corrigir tudo isso. O primeiro passo é unir as forças hoje desunidas, permitindo que o texto possa ser objeto de consulta pública ampla e transparente por um prazo de 3 meses. O segundo passo é construir uma lei verdadeiramente original, que não seja tão afetada pelo Efeito Bruxelas como a atual. E que trate de temas importantes para a população brasileira, como emprego, competitividade, educação, indo além da questão de risco que hoje ocupa 95% do texto. Se isso for feito, o Brasil poderá apresentar no G20 uma lei original, à altura das nossas capacidades, bem como um processo também original, em que a sociedade foi ouvida de verdade.

Em outras palavras, substituir o rolo compressor atual, que esmaga divergências, por um diálogo típico de uma democracia participativa, que costumava ser a característica do país entre 1988 e 2014. Nas vezes em que o país brilhou no campo internacional foi assim. Conjugando três elementos únicos nossos: união, participação e originalidade. Ainda dá tempo de corrigir a rota para brilhar.

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