Bancos e RGs na mira de Big Techs

Leia a coluna da semana de Ronaldo Lemos para Folha de S.Paulo

publicado em

19 de abril de 2022

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Discretamente, Apple começa a entrar no espaço de dois outros gigantes, governos e bancos

Uma notícia importante passou despercebida nas últimas semanas. A Apple entrou no mercado de “Open Banking“. O leitor pode perguntar: “E daí?”. Daí que discretamente a gigante americana começa a entrar no espaço de dois outros gigantes: governos e bancos.

No caso dos bancos a Apple adquiriu a empresa de análise de crédito chamada Credit Kudos. Ela consegue analisar de forma detalhada e em tempo real o perfil de crédito de uma pessoa. Para isso utiliza como parâmetro os dados da própria conta bancária dos usuários, compartilhados por meio de esquema de “open banking”.

Essa estratégia amplia a avenida para empréstimos imediatos, embarcados em qualquer aplicativo ou serviço de internet. Por exemplo, se um entregador de aplicativo precisa de recursos para consertar sua moto, pode obter os recursos na hora sem qualquer burocracia, direto no próprio aplicativo de entregas. É como se os serviços bancários se pulverizassem. E a Apple quer não só acelerar, mas fazer parte dessa pulverização.

Nessa linha, a modalidade de pagamentos que mais cresce no mundo é o chamado BNPL (“Buy Now, Pay Later”). O consumidor vai até a loja e compra qualquer produto, podendo pagar depois em parcelas. Para nós brasileiros não tem novidade. Isso já existe no país há anos.

Já no campo governamental a Apple entrou com seu aplicativo Wallet. A ideia é centralizar identidades e documentos em formato digital em um único lugar, com validade jurídica.

Isso coloca uma pressão em governos de todo o planeta para acelerarem a criação de identidades digitais. Ao mesmo tempo, coloca a Apple na posição de guardiã final de todas essas identidades. Por exemplo, o estado do Arizona nos EUA já emite sua identidade digital compatível com a Wallet da Apple. Não é difícil conceber o surgimento de um passaporte 100% digital aceito globalmente, custodiado pela empresa.

E o Brasil nessa? Nosso país tem atravessado uma revolução no campo das identidades digitais provocada pelo Gov.br. Junto com o Pix, trata-se de uma tecnologia estruturante. No caso, permitindo o acesso autenticado a uma vasta gama de serviços governamentais.

De cara já teve um efeito positivo. Diminuiu o espaço do elitizado certificado digital, a “identidade” digital que precisava ser comprada anualmente (R$ 150) para acessar serviços básicos como imposto de renda ou previdência social. Ao mesmo tempo, sempre pode ser melhorado. Seria ótimo se o Gov.br adotasse no futuro uma arquitetura descentralizada, transferindo atribuições e controle para os cidadãos na ponta, em vez de concentrar tudo de forma centralizada. Mas é prematuro reclamar. O sistema é uma conquista que por enquanto merece ser comemorada.

Já a Apple está aguardando para que essas tecnologias se desenvolvam para poder agregá-las. No mundo em que vivemos o agregador é mais importante que o provedor. Bancos e governos que se cuidem.

***Obrigado ao Carlos Gueiros pelos sempre ótimos nudges.

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