Bem perto da volta do X: Musk jogou em casa, mostrou suas armas e perdeu

Coluna de Carlos Affonso Souza no Uol Tilt.

publicado em

4 de outubro de 2024

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Carlos Affonso Souza comenta sobre a saga do 'X' no Brasil

Agora só falta o pagamento das multas. Em decisão da última sexta-feira o ministro Alexandre de Moraes indicou que o X suspendeu os perfis que haviam participado da campanha de exposição de dados de delegados federais, bem como apontou a sua representante legal no país.

As multas que ainda precisam ser pagas dizem respeito ao período em que a empresa falhou em regularizar a sua representação legal, além dos dias em que a rede social ficou acessível no Brasil devido à mudança de endereçamento a partir da contratação dos serviços da CloudFlare.

Tudo indica que estamos cada vez mais próximos de um retorno do X.

Esse momento vai ficar marcado como uma derrota para Elon Musk, que procurou tensionar os limites do respeito às autoridades locais, e como uma vitória para o ministro Moraes, que por meio de medidas drásticas mandou um recado sobre como as leis podem ser aplicadas para impedir a instrumentalização das redes sociais para fins ilícitos.

Esse assunto é facilmente afunilado para uma disputa pessoal entre os dois personagens, mas é importante entender como esse momento – que tem cara de final de temporada – vai muito além de seus protagonistas e revela um nada delicado jogo sobre política, poder e tecnologia.

Cavaleiros apresentem suas armas

Nessa primeira sucessão de enfrentamentos, foi possível entender um pouco das diferentes armas com as quais as duas partes atuam.

Musk conta com o engajamento de uma multidão de seguidores na sua própria rede social, que acaba amplificando as suas publicações.

No X Musk joga em casa. Ele pode criar perfis para vazar documentos oficiais, como fez com as ordens proferidas pelo ministro Moraes, e ainda movimentar a ala mais conservadora do Congresso norte-americano, como aconteceu com o Comitê sobre o Judiciário, que chegou a realizar audiência pública sobre censura na internet brasileira.

Já Moraes construiu o argumento de que as diversas empresas de Musk servem como trampolim para sua atuação política, o que viabilizaria, uma vez caracterizados atos ilícitos, não apenas afastar a proteção da personalidade jurídica para atingir Musk diretamente, como também a contaminação do patrimônio de uma empresa pelos atos ilícitos das outras na constituição de um grupo econômico de fato.

Tudo isso amarrado em ordem de bloqueio da rede social X, devidamente cumprida pela Anatel e pelas operadoras em duas ocasiões nos últimos meses.

Se é verdade que essa primeira temporada parece terminar com uma imposição das leis nacionais e o cumprimento das decisões judiciais, isso não quer dizer que, em novo momento, Musk não decida repetir a dose, especialmente se identificar algum ganho político com o movimento.

O Brasil, por outro lado, passa para a história recente como um país que enfrentou em um par de anos uma invasão de sua capital para, com a depredação de prédios públicos, forçar uma reversão do resultado das eleições, além de uma campanha organizada pelo dono de uma das maiores redes sociais no sentido de não reconhecer a legitimidade das autoridades locais.

As cenas dos próximos capítulos

Mas nem tudo são flores nesse final de temporada.

Tudo indica que caminhamos para uma situação em que o X cumpre o necessário para voltar a operar, incluindo a remoção de postagens e a indicação de um representante legal, mas a empresa permanece sem equipe ou estrutura local para atender as demandas que só crescem por parte das autoridades.

O X não é uma startup estrangeira que acaba de lançar seu aplicativo nas lojas de apps do mundo todo e subitamente viralizou no Brasil.

Exigir que toda empresa que oferece um app em loja de aplicativos tenha representante legal e escritório local simplesmente subverte a lógica da internet, mas o caso do X é único porque se trata de empresa que tinha escritório, funcionários e toda uma estrutura compatível com o porte da empresa e com o volume de usuários nacionais.

A preocupação que fica é com os próximos passos e como o X, voltando a operar, vai conseguir atender às demandas do mercado e das autoridades locais sem gerar novas tensões.

Por outro lado, a sucessão de ordens judiciais que culminaram com o bloqueio revelaram um aspecto preocupante para os futuros enfrentamentos de temas que exigem um conhecimento da tecnologia subjacente ao cabo-de-guerra entre a política e as leis.

A primeira versão da decisão pelo bloqueio da rede social chegava a ordenar o banimento de aplicativos de VPNs (redes virtuais privadas) das lojas de aplicativos no Brasil.

Essa medida simplesmente impedia que aplicativos de cibersegurança, que oferecessem o recurso, fossem baixados no país.

A decisão pareceu compreender que VPNs são recursos escusos dos quais se valem os usuários para burlar as leis de um país, quando na verdade as mais diferentes empresas e pessoas físicas usam a ferramenta para navegar de forma mais segura e privada.

Outro ponto que chamou atenção nessa primeira versão da ordem de bloqueio foi a ausência de indicação sobre quais aplicativos deveriam ser removidos das lojas.

O ministro Moraes apenas mencionou a categoria e ofereceu alguns exemplos. O artigo 19, § 1º, do Marco Civil da Internet, por outro lado, determina que ordens judiciais que mandam remover conteúdos precisam “conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.”

Esses detalhes não são triviais e acabaram, felizmente, sendo removidos em uma segunda versão da ordem de bloqueio.

Foi mantida, todavia, a imposição de multa para quem acessasse a rede social via VPN. Na decisão da Primeira Turma do STF, que confirmou a ordem de bloqueio, o ministro Fux chegou a ponderar se a multa não deveria ser aplicada apenas para quem ingressasse na plataforma e cometesse atos ilícitos.

Por enquanto vale acompanhar o cumprimento das últimas medidas ordenadas pelo STF e ver quando (e como) o X volta ao Brasil.

Várias perguntas vão ser feitas a partir desse desenrolar dos acontecimentos:

– quantos usuários farão o caminho de volta para o X e como a experiência em outras redes modificará a sua postura com relação à plataforma?

– quais lições foram aprendidas a partir da inédita instrumentalização política de uma rede social por seu dono?

– o exemplo do X vai aumentar a frequência com que os tribunais recorrem à medida drástica do bloqueio como forma de estimular o cumprimento de decisões judiciais?

Tudo isso e muito mais nos esperam em uma nova temporada.

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