Ciberguerra tem dinâmica própria

Leia a coluna da semana de Ronaldo Lemos para Folha de S. Paulo

publicado em

9 de março de 2022

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Com internet disseminada, guerra espalha seus efeitos ao redor do planeta

Um elemento-chave na tragédia da Ucrânia consiste nos desdobramentos imprevisíveis da prática de “ciberguerra”. Em paralelo ao conflito militar físico, há um outro conflito grave sendo travado no campo da tecnologia da informação.

Vale notar que esse conflito virtual não começou agora. Em 2015, a Ucrânia já havia sofrido ataques à sua rede elétrica que geraram blecautes para milhares de pessoas. Muitos outros ciberataques foram feitos desde então.

Isso demonstra uma das características da ciberguerra: ela é persistente e generalizada. Ocorre tanto em momentos de “paz” como de “guerra” e perdura mesmo depois que as operações físicas se encerrem. Ciberataques, infelizmente, são um estado permanente da condição humana atual.

É nesse contexto que decisões difíceis estão sendo consideradas. Do lado dos países ocidentais, discutiu-se nos últimos dias a possibilidade de excluir a Rússia da rede Swift. Trata-se da rede bancária global surgida em 1973 que permite a realização de pagamentos e transferências entre bancos do mundo todo. Quando foi criada, a Swift era um arranjo praticamente único (ainda que caro e cheio de ineficiências).

Hoje, em tempos de internet, a Swift concorre com inúmeras alternativas e concorrentes. Por exemplo, a China vem desde 2015 construindo sua própria rede interbancária global, chamada Cips. A Índia e a própria Rússia vêm fazendo ações similares. Além disso, a existência das criptomoedas criou também alternativas a pagamentos e transferências internacionais.

Como resultado, excluir a Rússia da rede Swift pode consistir em erro. Em vez de isolar o país como pretendido, pode acelerar outros arranjos, que, por sua vez, aceleram a redução de importância dos sistemas existentes.

Autoridades da Ucrânia e ocidentais também solicitaram que as Bolsas de criptomoedas e infraestruturas de blockchain passassem a recusar transações provenientes da Rússia. Até agora a maioria desses pedidos não foi atendida. Afinal, criptomoedas foram criadas justamente como infraestruturas capazes de resistir a vários tipos de intervenção externa, inclusive de governos.

É também relevante acompanhar mobilizações como do grupo Anonymous no esforço de atacar alvos digitais na Rússia. Ao mesmo tempo, a empresa Starlink, de Elon Musk, anunciou que posicionaria seus satélites sobre a Ucrânia para facilitar o fornecimento de acesso à internet aos cidadãos do país. Até agora, nem o Anonymous nem o Starlink parecem ter produzido qualquer resultado realmente relevante com suas ações.

Já as redes sociais enfrentam um dilema singular. Na sexta (4), houve relatos de que tanto o Facebook quanto o Twitter foram bloqueados na Rússia. Ao mesmo tempo, essas mesmas plataformas acabam sendo utilizadas como palco para propaganda de guerra e de influência. Grupos no Telegram (sempre ele!) também rapidamente se mobilizaram para coordenar ciberataques e como quartéis-generais para disseminação de propaganda.

Em outras palavras, com a internet e a tecnologia digital amplamente disseminada, a guerra acaba tendo um efeito de contágio. Espalha seus efeitos ao redor do planeta. Mais do que isso, revela como redes que até então eram vistas como “neutras” são na verdade territórios de disputa permanente, muitas vezes violenta.

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