Como EUA pretendem vencer corrida da IA e o que o Brasil tem a ver com isso

Coluna de Carlos Affonso Souza no Uol Tilt.

publicado em

30 de julho de 2025

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A Casa Branca lançou um plano para a supremacia dos EUA em IA, enfatizando concorrência com a China e metas concretas de inovação, infraestrutura e liderança global

A Casa Branca publicou um plano de ação sobre como os Estados Unidos pretendem vencer a corrida pela supremacia global em inteligência artificial. O nome escolhido já revela o tom: “Vencendo a Corrida: o Plano de Ação da América sobre IA”. Essa corrida não é treino e ela tem um adversário bem definido.

Menções à China aparecem aqui e ali no documento. Uma vez para comandar pesquisas que possam revelar como os modelos de IA chineses seguiriam padrões ditados pelo Partido Comunista. Em outro, o documento afirma que a AI é o primeiro serviço digital que desafiou os Estados Unidos a ampliar a sua capacidade de produção energética, enquanto a China rapidamente expandiu a sua nas últimas décadas. “O caminho dos EUA para atingir supremacia em IA requer que essa tendência preocupante seja revertida” – conclui o plano de ação norte-americano.

Por outro lado, a China já indicou em seu plano plurianual a meta de se tornar a potência dominante em IA até 2030. Essa linha de chegada da corrida está logo ali e a publicação do plano de ação dos EUA revela como o lado ocidental da disputa pretende se estruturar a curtíssimo prazo.

Os três pilares do plano norte-americano

O plano de ação norte-americano é dividido em três grandes pilares: acelerar a inovação em IA, construir infraestrutura nacional de IA e liderar a diplomacia e a segurança internacional no tema. Cada pilar vem acompanhado de dezenas de medidas concretas, ordens executivas e programas já em andamento desde o início do segundo governo Trump. O documento não é apenas uma carta de intenções. É uma plataforma de ação imediata, baseada em uma visão clara: IA é sinônimo de poder.

No primeiro pilar, dedicado à inovação, o plano adota uma postura agressiva de desregulamentação. Revoga-se a ordem executiva de Joe Biden sobre desenvolvimento seguro e confiável de IA, e se estabelece um novo princípio: menos regulação significa mais competitividade. Mas talvez o ponto mais simbólico desse trecho seja a determinação para que o governo federal elimine de seus documentos técnicos menções a temas como desinformação, diversidade, equidade, inclusão e mudanças climáticas. A justificativa? Proteger a liberdade de expressão e afastar “agendas ideológicas” dos modelos de IA.

Aqui, existe um debate importante. O plano norte-americano reconhece, ainda que de forma implícita, que sistemas de inteligência artificial se tornaram agentes centrais na mediação do discurso público. E se esses sistemas moldam a forma como nos informamos, nos comunicamos e nos expressamos, então decidir o que eles podem ou não dizer é, na prática, regular os contornos do espaço público digital. Cada vez mais pessoas vão usar IA para redigir textos, argumentar, pesquisar, criar arte ou aprender — e os limites impostos a essas ferramentas vão definir, de forma mais ou menos sutil, mas sempre muito poderosa, os próprios limites da liberdade de expressão.

Outro aspecto que chama atenção no plano é o esforço em integrar IA à vida produtiva e institucional do país. Sob o argumento de que a inteligência artificial criará empregos e aumentará a competitividade, o governo norte-americano propõe desde centros de testes regulatórios em áreas como saúde e agricultura até programas de requalificação para trabalhadores impactados. Não se trata apenas de desenvolver IA, mas de usá-la em escala industrial.

Ocorre que essa expansão não será possível sem um salto estrutural. O segundo pilar do plano trata justamente da infraestrutura: mais data centers, mais energia, mais semicondutores e mais capacitação técnica. Para isso, o governo Trump pretende simplificar licenças ambientais, liberar terras federais para construção de usinas e centros computacionais, e investir em uma nova força de trabalho técnica — com foco em profissões como eletricistas, técnicos em refrigeração e operadores de redes. A IA, para funcionar, precisa de elementos que não estão no mundo digital, mas sim no físico: energia, cabos, chips e, é claro, pessoas.

No terceiro pilar, o documento revela sua dimensão geopolítica. O objetivo é transformar a IA americana em padrão global, exportando modelos, softwares, chips e regras para países aliados. O plano defende, inclusive, que aliados que não seguirem as regras de exportação norte-americanas — e que eventualmente suprirem rivais como a China — possam ser punidos com tarifas ou sanções. IA virou instrumento de diplomacia econômica, com protocolos para controle de exportação, alinhamento normativo e acordos estratégicos.

O papel do Brasil na corrida entre EUA e China

A imagem de uma corrida limitada a dois participantes talvez seja um tanto reducionista. EUA e China, se é verdade que disputam uma liga própria, dependem que as suas soluções sejam adotadas pelo mundo afora para que se alcance essa almejada dominação global.

É justamente aqui que o plano de ação dos EUA parece ter vindo à luz em um momento delicado nas relações do país com o Brasil. O anúncio de tarifas pesadas e a escalada da animosidade, repleta de contornos políticos, levanta a questão sobre como o Brasil vai se encaixar nesse mundo tecnológico caminha cada vez mais binário.

O julgamento do STF sobre responsabilidade das plataformas digitais chegou a ser levantado em uma das comunicações do governo dos EUA como um dos motivos para o endurecimento das relações entre os países no contexto do tarifaço.

No front da inteligência artificial, tramita no Congresso Nacional um projeto de regulação da IA que nasceu fortemente inspirado na matriz europeia que, tanto lá como aqui, gerou críticas por impor obrigações em excesso e potencialmente inibir a inovação.

É provável que a Câmara dos Deputados avance nos debates e que o Brasil tenha até o ano que vem uma posição sobre o tema, endereçando os pontos mais controvertidos do texto que já foi aprovado no Senado Federal. Certamente a cara dessa regulação não será a mesma da que foi desenhada no plano dos EUA, colocando mais um elemento de rusga no tensionamento das relações.

Enquanto o noticiário político debate a relação entre os governos, e o econômico avalia o impacto das tarifas na exportação de produtos brasileiros, existe um olhar cada vez mais importante sobre como questões sobre soberania nacional e tecnologia se intercalaram para valer.

E se hoje a decisão judicial sobre as plataformas digitais, e em especial no que atinge as redes sociais, assumiu protagonismo, podemos esperar por uma troca de guarda em breve, com os temas sobre regulação de IA entrando cada vez mais na alça de mira, com fortes impactos na política e na economia.

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