Documentos de guerra foram vazados em fórum de Minecraft

Leia a coluna da semana de Ronaldo Lemos para Folha de S.Paulo.

publicado em

17 de abril de 2023

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Está havendo uma mudança na forma como a informação circula e nos meios usados para isso

A internet está mudando, de novo. Para entender o que se passa é só seguir os sinais. Na semana passada ocorreu o vazamento de documentos confidenciais do governo dos EUA relacionados à guerra na Ucrânia contendo informações estratégicas. Se fosse há alguns anos esses documentos teriam sido vazados no WikiLeaks ou por alguém como Edward Snowden, em parceria com veículos de mídia.

No entanto, o mundo em que estamos vivendo hoje é mais estranho. Os documentos foram vazados em um grupo da plataforma Discord dedicado ao videogame Minecraft, popular entre crianças e adolescentes. Logo depois foram republicados em fóruns anônimos, no Telegram e por fim no Twitter.

O autor dos vazamentos, um militar da Força Aérea de 21 anos, não realizou o ato por patriotismo nem por inclinações políticas. Ele queria apenas se exibir para os demais membros. Ele já havia ficado irritado que suas mensagens não estavam tendo repercussão.

Chegou a ameaçar parar de interagir com o grupo. Em vez disso, achou que postar documentos confidenciais geraria o “engajamento” que buscava. Gerou na verdade uma possível sentença de 20 anos de prisão por violar a Lei de Espionagem dos EUA.

A dinâmica desse caso é reveladora. Está havendo uma mudança na forma como a informação circula e nos meios usados para isso. Estamos de novo vivendo na prática um momento em que a profecia de McLuhan está se concretizando a olhos vistos. Quando os meios mudam, a mensagem muda e a sociedade também.

E há pelo menos duas mudanças em curso. A primeira é que o subterrâneo da rede nunca esteve tão acessível. Os fóruns anônimos, a “deep web”, os territórios de vale-tudo em que conteúdos ilícitos são aceitos e incentivados (incluindo violência e pedofilia) nunca estiveram tão escancarados.

Postagens originárias desses lugares afloram hoje por meio do Discord, de grupos no Telegram e Whatsapp, e cada vez mais, no Twitter, que abandonou os esforços de moderação mínima. O que antes era visível somente entre grupos pequenos, hoje alcança milhões de pessoas.

O segundo ponto é que o modelo de comunicação mais aberta, simbolizado pelo “feed” e por plataformas buscáveis, começa a perder espaço para comunidades e plataformas fechadas, sem indexação e sem mecanismos institucionais de moderação mínima de conteúdos ilícitos. Esses grupos fechados facilmente se desconectam de estruturas sociais mais amplas e criam dinâmicas próprias, muitas vezes violentas.

Como bem aponta o professor Christer Mattson da Universidade de Gotenburg, que estuda processos de radicalização, o caminho para se tornar um radical envolve incentivos e acolhimento por outras pessoas. Muitas vezes esse acolhimento é encontrado em grupos fechados e fóruns anônimos na internet. Em busca de notoriedade e “engajamento”, a pessoa imersa nesses contextos torna-se capaz de vazar documentos ou cometer atos de violência.

Como diz McLuhan, a mensagem de qualquer tecnologia é o que ela faz com as pessoas. Isso inclui ampliar nossa capacidade de comunicação ou, junto com ela, nossos defeitos.


 

Já era – fóruns e comunidades fechadas como fenômeno de nicho

Já é – centralidade das grandes plataformas na disseminação de conteúdos

Já vem – ampliação da importância e influência de fóruns e comunidade fechadas

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