Edits pagos: punição a Marçal não resolve ação orquestrada de cortes virais

Coluna de Carlos Affonso Souza no Uol Tilt.

publicado em

28 de agosto de 2024

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Carlos Affonso Souza fala sobre "cortes" pagos de vídeos de Pablo Marçal

Ao que tudo indica, Pablo Marçal, que é candidato pelo PRTB à Prefeitura de São Paulo, vai colecionar condenações na Justiça Eleitoral. A prática de pagar para que pessoas fizessem “cortes” de seus vídeos nas redes sociais, fomentando uma competição por likes, se comprovada, abre um leque de possibilidades sancionatórias —que vão de multas até a inelegibilidade do candidato.

Mas a primeira decisão ao olhar para o tema pode ter posto mais gasolina na fogueira e não ter resolvido a questão.

A liminar proferida pelo juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo determinou a suspensão temporária das contas oficiais do candidato nas redes sociais, atendendo a pedido do Partido Socialista Brasileiro (PSB).

“O ‘corte’ é uma profissão”

Alegou o PSB que o campeonato de “cortes”, que ofereceria remuneração para os perfis com maior engajamento nas redes, configuraria abuso de poder econômico, com pagamento de quantias não declaradas e que gerariam uma disseminação artificial de conteúdos favoráveis ao candidato.

A decisão reproduz trecho de um vídeo de uma “cortadora” que ensina como fazer os cortes dos vídeos do candidato e ganhar dinheiro com isso:

“O que é viralizar? É quando o vídeo chega ao alcance de muitas pessoas, muitas pessoas veem os seus vídeos, tá. Então você vai utilizar essa estratégia para viralizar e para fazer dinheiro com os vídeos do Pablo, já que o corte é uma profissão. O Pablo tem um campeonato de corte, só que ele paga só até o trigésimo lugar e o nosso objetivo aqui é fazer dinheiro todos os dias com os vídeos dele, que é o que eu faço.”

O que disse a decisão

O juiz eleitoral acolheu parcialmente os pedidos do PSB, determinando a suspensão temporária das contas de Pablo Marçal no Instagram, YouTube, TikTok, X (antigo Twitter) e em seu site oficial até o final das eleições.

Além disso, proibiu que Marçal, diretamente ou por meio de terceiros, continuasse a remunerar os “cortadores” de seus conteúdos com vinculação à sua candidatura.

A decisão também suspendeu as atividades relacionadas ao candidato na plataforma Discord, para impedir a suposta organização dos pagamentos.

Contudo, a decisão permitiu que novas contas pudessem ser criadas, desde que não fossem usadas para monetização dos “cortes” de vídeos.

O juiz também indeferiu outros pedidos, como a quebra de sigilo fiscal e bancário das empresas de Marçal e a desmonetização de vídeos anteriores à decisão, ressaltando a necessidade de uma análise mais aprofundada e o direito ao contraditório.

Precisava suspender as contas se o objetivo era impedir os pagamentos?

A decisão liminar buscou coibir práticas que estariam desequilibrando a disputa eleitoral, como o uso de recursos financeiros desconhecidos para impulsionar artificialmente a visibilidade de um candidato.

Para isso, ela determina que “seja proibido que o candidato Pablo Henrique Costa Marçal, pessoalmente ou por interpostas pessoas (tanto pessoas naturais, quanto pessoas jurídicas) remunere os “cortadores” de seus conteúdos com a vinculação de Pablo Marçal à candidatura a Prefeito de São Paulo até o final das eleições.”

Mas será que para atingir esse objetivo, a decisão também precisaria determinar a suspensão das contas oficiais do candidato nas mais diversas redes até o final das eleições?

Fica a impressão de que a suspensão de contas em redes sociais no Brasil virou medida de rotina, como algo que se determina de plano para depois aprofundar as investigações.

Esse expediente é ainda mais preocupante quando ele mira contas de candidatos ou partidos em pleno processo eleitoral.

Nesse ponto, a decisão liminar no caso de Pablo Marçal acaba gerando um curioso efeito. Ela dá ao candidato, de bandeja, a imagem de censurado e perseguido pelo sistema.

Mas vale lembrar que é a mesma decisão que permite que o candidato crie novos perfis nas redes, já que o seu objetivo seria apenas “suspender aqueles que buscaram a monetização dos ‘cortes’ por meio de terceiros interessados.”

Essa segunda parte, em que se permite a criação de novas contas oficiais, não apenas será soterrada pelos comentários sobre censura, como termina por parecer que o principal resultado da decisão foi zerar o número de seguidores do candidato nas redes, forçando Marçal a construir de novo as suas bases, mas sem comprar engajamento.

Se o problema central era a monetização dos “cortes”, bastaria proibir essa prática sem recorrer à suspensão das contas, ainda mais quando a mesma decisão permite a criação de novas contas oficiais.

Uma solução mais proporcional seria remover os conteúdos que tratam do campeonato de viralização, por exemplo.

De olho no algoritmo das redes

A decisão, ao resumir as alegações do PSB, lembra que as possíveis infrações eleitorais poderiam ser “potencializadas pelo fato de que o clicar no conteúdo de um candidato ensina o algoritmo que a pessoa teria, de alguma forma, interesse naquela pessoa. E isso lhe dá uma maior visibilidade perene, fazendo com o os efeitos do ilícito se protraiam no tempo.”

Esse é um ponto que pode dar trabalho mais adiante.

Caso o argumento cole na decisão final, o juiz poderia entender que o campeonato de “cortes”, por mais que esteja proibido e eventualmente encerrado a partir da liminar, gera um resultado mais duradouro, já que os usuários nas redes aprenderam a subir esse conteúdo e podem ser monetizados pelas próprias redes com a visualização dos “cortes”, que também já conseguiram ocupar um lugar de destaque nos feeds de quem engajou com esses conteúdos anteriormente.

Os algoritmos de recomendação de conteúdo das redes poderiam assim perpetuar os efeitos do que inicialmente se começou através do campeonato de “cortes”.

Aqui a solução é bem mais complexa, já que não se pode esquecer que ao lado do componente tecnológico existe todo um contexto cultural e político que impulsiona a candidatura de Marçal.

A identificação dos eleitores com suas ideias não é fruto da Internet, mas de visões compartilhadas sobre temas como segurança, trabalho, corrupção no serviço público, empreendedorismo e sucesso profissional.

Se o que ele fala não ressoasse nas pessoas, o fim do campeonato de “cortes” seria um ponto final nas chances do candidato, o que não é o caso.

Essa é uma questão que sai do Direito e ingressa nos debates sobre política, sociologia e a formação das visões de mundo.

Vários colegas como Pablo Ortellado e Rosa Pinheiro Machado vem dando contribuições importantes para decifrar o fenômeno do candidato coach e entender como ele entra na cabeça do eleitor.

Parafraseando o slogan do candidato Marçal: “faz o M de mente”.

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