Elon Musk quer ser o Alexandre de Moraes do mundo

Coluna de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

3 de setembro de 2024

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Objetivo final de bilionário é a centralização do poder nas suas próprias mãos

A promessa da internet era que qualquer pessoa com um computador pudesse se conectar à rede e operar seus próprios serviços: websites, mensagens, hospedagem etc. Tenho amigos que mantinham servidores no banheiro de casa, que se conectavam com o mundo todo.

Musk é o inimigo número 1 dessa ideia. Sua ambição é ser o Cidadão Kane da internet. Ele já é dono do principal provedor de internet por satélite, a Starlink. É dono do X (Twitter), uma das mais influentes mídias sociais. É dono da Tesla, cuja missão é criar carros autônomos (“robotáxis”) para centralizar e dominar todo o mercado de transporte do planeta. E dono da Neuralink, que literalmente quer entrar na cabeça das pessoas para conectar cérebros.

Se Musk realmente quisesse defender a liberdade de expressão, estaria copiando a estrutura dos seus concorrentes, o BlueSky e o Mastodon. Esses concorrentes promovem o oposto da centralização: federações de servidores, protocolos de comunicação autônomos e infraestrutura distribuída. As redes do Mastodon e do BlueSky são desenhadas para dificultar o controle privado ou estatal das suas plataformas. Nem as próprias empresas têm controle sobre o que é postado nessas plataformas. Uma pessoa rodando um servidor no banheiro de casa poderia continuar postando nelas enquanto esse servidor estiver no ar, aconteça o que acontecer.

Musk não quer nada parecido com isso. Ele quer ser o dono da plataforma, quer ser seu gatekeeper, seu editor-geral e seu bloqueador-geral. Seu objetivo final é a centralização do poder nas suas próprias mãos —não a descentralização do poder, que é a premissa inerente à ideia de liberdade de expressão. Mutatis mutandis, ele quer ser o Alexandre de Moraes do planeta.

Exemplos disso estão em toda parte. Ele paralisou os serviços da Starlink na Guerra da Ucrânia por ordem própria sua. Removeu conteúdos que desagradavam ao governo da Índia, como barganha para obter vantagens no país. Removeu conteúdos a pedido do governo da Turquia, e assim por diante. Neutralidade não é o seu forte.

Se Musk quer tanto proteger a liberdade de expressão, por que então nunca cogitou mudar a arquitetura do X para um modelo descentralizado e neutro, parecido com o dos seus concorrentes? A razão é que, se fizer isso, ele também perderá o controle total da sua plataforma. E esse controle total, para ele, é precioso. Ele é a razão de Musk ter pago US$ 44 bilhões pelo Twitter, muito mais do que a empresa valia. Essa é também a razão pela qual ele lança um foguete a cada três dias para colocar em órbita satélites de provimento de conexão à internet no mundo todo. Musk não quer conectar o mundo. Ele quer controlar as redes que conectam o mundo.

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