Fortnite vira Dança dos Famosos e dá baile no direito autoral

publicado em

20 de dezembro de 2018

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“Um maluco no pedaço” marcou a infância e adolescência de muita gente. A série é sempre lembrada por ter catapultado o ator Will Smith para o estrelato. Outra lembrança recorrente da série é a dancinha feita pelo primo Carlton, vivido pelo ator Alfonso Ribeiro (não somos parentes). A dança ingressou no imaginário popular e desde então vem sendo repetida em diferentes vídeos na rede.

Tudo ia bem até o jogo Fortnite, da Epic Games, incorporar a dancinha como uma emote, uma reação que os personagens do jogo podem expressar.

Fortnite é um dos jogos mais bem sucedidos nos últimos anos. Por semana são assistidas 25 milhões de horas de gameplay do jogo no Youtube. Apesar de ser gratuito, várias adições podem ser compradas pelos jogadores, incluindo dancinhas especiais.

Para quem está chegando agora no planeta Terra, Fortnite não é um jogo de dança, mas sim um jogo de tiro (e construção) cujo objetivo é matar todos os adversários. Na melhor das hipóteses é uma danse macabre.

As emotes no jogo funcionam como reações desempenhadas pelos personagens, que podem ir de um simples aplauso até a performance rítmica de contagiantes dancinhas. Mas de onde vêm essas danças? Muitas delas foram extraídas de coreografias e passos de dança que ficaram famosos com artistas da música, especialmente da cena hip hop norte-americana.

O uso dessas danças no jogo seria uma homenagem ou uma infração aos direitos de seus criadores?

Outros artistas já haviam manifestado a sua discordância com a inclusão de seus passos de dança no jogo. Seguindo o exemplo de 2 Milly, que já havia processado a Epic por inclusão de coreografia no jogo, Alfonso também resolveu processar a empresa. Aparentemente, antes de figurar no game, a famosa coreografia já tinha sido objeto de um pedido de proteção como direito autoral pelo artista (mas ainda sem decisão).

Será que uma coreografia curtinha, com poucos movimentos repetidos, pode ser protegida por direito autoral? Vamos ver como ficou a dança no game e na vida real.

Parecem bem parecidas, não? Conversei sobre o tema com o professor Sergio Branco, um dos maiores especialistas em direitos autorais no Brasil para responder a pergunta: de quem é afinal as dancinhas do Fortnite?

Segundo o professor, a primeira pergunta que precisa ser feita é se os passos são realmente originais. Esse é um requisito básico dos direitos autorais: para algo ser protegido ele precisa ser original.

Se for original, uma criação da própria pessoa, a coreografia pode vir a ser protegida, já que a lei de direitos autorais (Lei 9610/98) insere as obras coreográficas como aquelas que podem ser objeto de tutela (é o artigo 7º, IV). Até aqui parece tudo bem para os interesses de Alfonso.

Em seguida, é preciso saber de quantos passos ou movimentos de dança nós estamos falando. O Direito Autoral protege coreografias e dança, mas a obra precisa ter alguma extensão e não ser apenas um conjunto mínimo de movimentos.

Nos Estados Unidos, o escritório de proteção de direitos autorais publicou uma cartilha em 2017 na qual afirmou que “rotinas curtas de dança que consistem de apenas alguns movimentos e passos” não podem ser registrados, “mesmo se ela for nova e original”. Então o tamanho faz diferença.

Esse argumento pode favorecer a Epic, que poderia então alegar que os passos de dança são poucos e que o ator não teria proteção. Mas o assunto complica quando a empresa transforma isso em uma prática e passa a incorporar vários passos de dança em seu jogo sem dar qualquer crédito aos artistas. Nem mesmo o nome deles é citado.

O rapper Chance The Rapper (sempre quis escrever isso) publicou no Twitter que a Fortnite está explorando a comunidade de criadores negros que popularizou essas danças. O artista sugeriu que, no mínimo, a empresa deveria colocar a música que originou a dança no fundo, ajudando a atrelar os movimentos do personagem com uma gravação de um artista.

Como as danças vem predominante da cena de rap e hip hop não falta quem veja na inserção das coreografias um típico caso de apropriação cultural.

Lembrando que, para qualquer proteção por direito autoral existir, é preciso que a obra tenha sido exteriorizada. Em outras palavras, não vale apenas ter a ideia de uma dança: é preciso executá-la e gerar meios de prova que isso aconteceu. Essa prova pode ser um vídeo mostrando a dança ou mesmo anotações em papel sobre como ela deve ser executada. Não existe direito autoral de ideia! O que se protege é a sua manifestação.

A pergunta sobre quem é o dono das dancinhas então não tem resposta certa. Nos Estados Unidos pode ser difícil proteger passos de dança curtos, por mais originais e exóticos que sejam. No Brasil, a dança e a coreografia são protegidas, mas a avaliação sobre originalidade e extensão da obra também valem. Como visto, Fortnite pode até ter virado uma verdadeira “Dança dos Famosos”, mas quem está tomando um baile são os direitos autorais.

 

Carlos Affonso Souza

Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade