Ghosting: Quando o silêncio é a resposta

Coluna semanal de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

31 de outubro de 2023

categorias

{{ its_tabs[single_menu_active] }}

tema

Em breve a limitação da nossa capacidade de responder às mensagens vai desaparecer

Responder é perigoso. Quem diria que responder (ou não) a uma mensagem, post, notícia ou comentário na internet fosse virar uma atividade cheia de complicações. Recentemente, a escritora Mariah Kreutter abordou esse fenômeno do “reply” na publicação Dirt.

O que é respondido importa. Mariah lembra que a pior resposta ou reação que alguém pode receber é a mão com o polegar levantado (o popular joinha). Na cultura que emergiu na internet, reagir de forma não solicitada a um post ou story com o polegar amarelo em riste é praticamente uma ofensa. Na visão dela, um símbolo do acrônimo IDGAF em inglês (“I don’t give a fuck”) —”eu não dou a mínima”, em português.

Há também os respondedores profissionais. Você publica qualquer coisa e a pessoa responde na hora, seja com texto ou emoji. O que significa? É algo a ser celebrado, ter alguém que acompanha tudo que você faz, ou a ser temido?

Há também o problema da demora na resposta. Você escreve para alguém e a pessoa não responde. Ou demora a responder. Isso leva automaticamente a especulações. A pessoa viu a mensagem? O celular quebrou, está sem sinal? Ou será que sofreu um acidente?

Na maioria dos casos ninguém pensa na hipótese mais provável: de que todos nós temos demandas por atenção cada vez maiores, e capacidade de responder limitada. Um atraso ou ausência de resposta pode significar simplesmente que o destinatário não conseguiu ler ou ter o tempo ou a oportunidade para responder.

Claro que o silêncio também pode ter um significado. Ele pode ser a própria mensagem. Essa hipótese também é provável, mas não gostamos de pensar nela.

Uma das formas de comunicação mais características da atualidade é o “ghosting”. Simplesmente desaparecer e deixar de responder às mensagens de alguém, sem explicações. Esse tipo peculiar de silêncio é muito usado para encerrar relacionamentos contemporâneos, evocando o poema de T. S. Eliot que diz que o mundo acaba “não com estrondo, mas com gemido”.

O ghosting em si virou um tema literário. Há vários poemas recentes escritos sobre ele. Um deles, de J. Autherine, diz “sem adeus nem clareza, apenas o vento frio do afastamento, estranhos de novo, sem nem um emoji para nos aquecer”.

Em breve essa limitação da nossa capacidade de responder vai desaparecer. Está chegando o momento dos assistentes virtuais baseados em inteligência artificial. A tendência é que cada pessoa tenha o seu. Esses assistentes vão ser capazes de ler as mensagens que recebemos e responder a todas elas usando nosso estilo e nossa orientação.

Por exemplo, um celular recém-lançado por uma big tech tem um assistente que responde a todas as ligações telefônicas em nosso nome, com voz natural.

Ele se identifica como nosso assistente artificial e conversa com a pessoa do outro lado normalmente. Pergunta do que se trata e a partir daí filtra a ligação. Se for telemarketing, diz que estamos ocupados e não podemos atender. Se for algo importante, repassa a ligação e só então o telefone toca.

No futuro, é possível que nossos assistentes de IA fiquem falando entre si, respondendo uns aos outros. Enquanto pescamos ou passeamos no parque. Nesse momento ninguém mais vai ficar sem resposta. Quando a abundância das respostas artificiais chegar, talvez até do vento frio do ghosting teremos saudades.

*

Já era O ‘joinha’ como sinal de reconhecimento

Já é Ghosting como linguagem no mundo digital contemporâneo

Já vem Assistentes de IA respondendo por nós

{{ pessoas.pessoaActive.title }}

×