Há lobbies que vêm para o bem

Artigo escrito por Thayane Guimarães

publicado em

14 de maio de 2020

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Você já deve ter ouvido falar no termo Lobby e de uma forma não muito positiva, certo? Isso é porque, no Brasil, o conceito está muito ligado à influência do setor privado na tomada de decisões político-governamentais, a partir de interesses econômicos que, na maioria das vezes, não correspondem ao interesse público. É por isso também que o termo é muito associado às ideias de corrupção e ilegalidade. Mas, felizmente, essa não é uma relação obrigatória.

No Brasil, apesar de estar amparado pelo direito constitucional de petição, o lobby ainda não é regulamentado e os profissionais que atuam nesta área, ainda pouco conhecida, são geralmente chamados de agentes de Relações Governamentais ou de advocacy. Este termo tem origem na palavra advocare, do latim, que significa ajudar alguém que está em necessidade. Em inglês, deriva do verbo to advocate. A tradução literal em português, advogar, pode ter uma conotação por demais jurídica, mas nem sempre esse é o objetivo. Advocacy, na atualidade, é utilizado como sinônimo de defesa e argumentação em favor de uma causa, de modo a tornar possível que a sociedade civil tenha incidência efetiva na construção e implementação de políticas públicas que atendam às necessidades de diferentes grupos sociais. O advocacy faz parte da construção de sociedades mais justas, democráticas, inovadoras e sustentáveis. 

Mas, como se pode imaginar, influenciar o processo legislativo e políticas públicas não é uma tarefa fácil e demanda, além do aproveitamento de janelas de oportunidades, um método, estratégias bem definitivas, criatividade, paciência, aprendizado contínuo e conhecimentos de como a tecnologia pode ser uma grande aliada dessa missão. 

Não posso deixar de mencionar que, em tempos de pandemia, o advocacy de organizações da sociedade civil que trabalham com direitos humanos, saúde, tecnologia e educação, por exemplo, tem sido uma tarefa constante e difícil, dada a baixa permeabilidade das nossas instituições políticas brasileiras. Mas, ouso dizer, talvez nunca tenha sido tão fundamental nos aprofundarmos nas estratégias de sucesso a fim de seguir promovendo impactos na democracia. 

 

→ Por isso, escolhemos alguns exemplos inspiradores de processos de lobbying ou advocacy que transformaram nosso presente no Brasil e no mundo (e que, talvez, você nem soubesse): 

 

Caso 1: Marco Civil da Internet 

(várias organizações)

Já nos primeiros 10 anos do séc XX, o crescimento da importância social, econômica e jurídica da internet era indiscutível e a legislação analógica vigente não dava conta de responder aos desafios que se colocavam na ordem do dia: abusos online; invasão de privacidade; retiradas unilaterais de conteúdo por provedores; pressões para estratificar usuários por parte das empresas de telecomunicações, etc. Estava clara a necessidade de se criar um código que estabelecesse os princípios sob os quais a internet deveria ser regulada, de forma a garantir a proteção dos direitos civis.

A ideia do Marco Civil surgiu a partir da concepção do professor e pesquisador Ronaldo Lemos, por meio de um artigo publicado em 22 de maio de 2007. Em outubro de 2009, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, lançou o projeto para a elaboração do Marco Civil da Internet através de um processo colaborativo, baseado em ferramentas online de participação. O objetivo era construir um texto a partir de diversas intervenções, somando ideias, incorporando perspectivas e ouvindo as diversas partes interessadas no debate. Sucesso alcançado: entre novembro de 2009 e junho de 2010, a plataforma online do projeto recebeu cerca de 18.500 visitas, totalizando mais de 2.000 contribuições de diferentes movimentos sociais, organizações da sociedade civil, instituições de pesquisa e cidadãos. A partir disso, elaborou-se o texto que foi encaminhado à Câmara dos Deputados na forma de um projeto de lei. 

No dia 08 de julho de 2013, após a publicação de notícias de que as comunicações no Brasil eram alvo de espionagem eletrônica pelos EUA, o governo brasileiro reconheceu a  necessidade urgente de aprovação do Marco Civil da Internet para aumentar as garantias legais de direitos digitais fundamentais dos cidadãos e a soberania tecnológica brasileira.

O Marco Civil da Internet, aprovado em março de 2014 e oficialmente chamado de Lei n° 12.965/2014, foi reconhecido internacionalmente como uma da legislações mais avançadas no mundo no que tange à regulação do uso da Internet a partir da definição de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a rede, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado. 

 

Caso 2: Tratado sobre o Comércio de Armas 

(Anistia Internacional)

Em 1998, Brian Wood, pesquisador da Anistia Internacional e coordenador do trabalho da organização para o controle de armas, teve uma ideia: fazer com que os países membros da ONU assinassem o compromisso formal de regular a compra e a venda de armas convencionais no mundo. O desafio era ambicioso e considerado na época como um desperdício de tempo, já que a ONU não tem poder para “obrigar” os países a assinarem tratados e alcançar o objetivo por meio do convencimento parecia uma possibilidade muito distante! Não podemos esquecer que o mercado global de armas movimenta US$ 80 bilhões anuais e sempre foi um tema difícil na política. 

“Segundo Brian, o tratado deveria ter uma “regra de ouro”, alguma coisa especial que transformasse a sua meta em uma necessidade óbvia para todos os países. A regra de ouro nos ajuda a construir um pensamento estratégico a partir dessa pergunta: “eu gostaria que acontecesse comigo o que está prestes a acontecer com os outros?” Seria possível pressionar os países a assinarem o tratado sem acusá-los diretamente de serem violadores de direitos humanos. Para isso, Brian sugeriu que a campanha da Anistia Internacional se parecesse com uma “dica grátis” de como fazer o bem, e que os governantes poderiam utilizar para se orgulharem disso.”  (Rafael Medeiros, 2018)

A partir da busca por dados e elementos que pudessem dar base à campanha e trazer informações inovadoras para a sociedade, a Anistia descobriu que comprar e vender bananas no comércio internacional era mais difícil do que comprar e vender armas. Bingo! O slogan da campanha estava pronto: “o comércio de bananas é mais regulado do que o de armas”, dizia a petição. Some isso ao fato dos principais destinos das armas serem países em guerra e ao número de pessoas mortas no mundo anualmente por conflitos armados. Foi assim que o advocacy uniu forças com a mobilização, encontrando uma mensagem simples e impossível de ser desconsiderada. A campanha das “bananas” foi um sucesso histórico e o tema foi objeto de mobilização e advocacy por 20 anos.   

O Tratado de Comércio de Armas foi ratificado por 50 países membros da ONU e entrou em vigor em dezembro de 2014. O Brasil foi um dos primeiros a assinar, mas ainda não o ratificou. 

Para ratificarmos o tratado aqui precisaremos de uma nova campanha de advocacy, dessa vez feita pelas pessoas e ONGs do Brasil. O maior entrave à ratificação é o lobby político das empresas de armamentos brasileiras. Teremos muito trabalho pela frente. (Rafael Medeiros, 2018).

 

 

Caso 3: Escola não se destrói: vitória da Friedenreich 

(Meu Rio)

Um dos casos mais emblemáticos de mobilização na cidade do Rio de Janeiro foi a campanha “Escola não se destrói”, que uniu crianças, professoras, mães, pais e dezenas de milhares de pessoas para salvar a 4ª melhor escola pública do Rio de ser demolida para transformar o espaço em um estacionamento da Copa do Mundo de 2014. 

Tudo começou quando, em outubro de 2012, a equipe do Meu Rio recebeu no Panela de Pressão uma sugestão de uma campanha criada por uma mãe pedindo que a escola de seu filho, que existia há 50 anos, não fosse demolida. A mobilização durou 1 ano e meio e contou com uma série de estratégias conjuntas de monitoramento do espaço onde a escola estava situada, engajamento de atores e advocacy com o poder público. Foram, ao todo, 19.295 assinaturas contra o fechamento da escola, 1700 e-mails enviados à Secretária de Educação da época, Claudia Costin, para que apoiasse a pauta e 1954 pessoas inscritas para vigiar a escola por meio de câmeras 24 hrs. 

A vitória chegou em agosto de 2013, quando o então governador Sérgio Cabral deu a notícia sobre a Friedenreich: a escola ficaria de pé!

 

 

Caso 4: Liberdade para Chelsea Manning 

(várias organizações)

Por último, outro caso que também mobilizou diversas organizações do mundo todo durante anos foi o de Chelsea E. Manning. Ela é especialista em segurança de redes, inteligência artificial, ativista, ex-analista de inteligência militar do governo dos EUA e ex-prisioneira política. Em 2010, Chelsea divulgou arquivos de guerra no Iraque e no Afeganistão pelo WikiLeaks, junto com alguns dos principais jornais do mundo. Antes mesmo de ser julgada, Chelsea ficou detida em confinamento solitário por um ano. Durante o julgamento, ela assumiu total responsabilidade por suas ações em uma declaração juramentada de 50 páginas perante um juiz militar. Em 2013, foi sentenciada a 35 anos de prisão. 

Mais de 10 grandes organizações internacionais de direitos humanos aderiram à campanha pela libertação de Chelsea Manning, entre elas a Fight for the Future, Internet Archive e a Freedom of the Press Foundation. Dentre todas as ações realizadas, podemos citar um site para disseminação da história de Chelsea, campanhas de advocacy em organismos multilaterais, perfis em redes sociais para constante atualização do caso, campanhas de solidariedade com envios de cartas à prisão, campanhas de doação financeira para pagamento das despesas com advogados de defesa e uma petição internacional, além da publicação online de todos depoimentos judiciais de Chelsea, para que Transparência fosse a palavra motriz. 

Chelsea cumpriu um total de sete anos de sua sentença até o ex-Presidente Barack Obama comutar sua sentença para o tempo cumprido – ela foi libertada em maio de 2017.

Ah, já ia me esquecendo, aproveitando que o final de semana está chegando, vou deixar também algumas dicas de filmes interessantes que falam sobre o tema. Prepare a pipoca!

  1. Sérgio (2020) – conta a história do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, representante da ONU que mediaria a transição política no Iraque após a queda de Saddam Hussein. 
  2. E-team (2014) – o filme segue investigadores da Human Rights Watch ao viajar para países na tarefa de documentar os mais violentos casos de repressão contra a sociedade civil. 
  3. She’s beautiful when she’s angry (2014) – documentário que mostra o nascimento de organizações como NOW (Organização Nacional das Mulheres) e da FLF (Feminist Liberation Front), além do surgimento da chamada Segunda Onda do feminismo nos EUA, nas décadas de 1960 e 70.

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