Indiretas, elogios e desabafos: PL das fake news causou rebuliço no Senado
Coluna semanal de Carlos Affonso no UOL
publicado em
8 de julho de 2020
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A aprovação pelo Senado do PL nº 2630/2020, sobre fake news e transparência na internet, dividiu opiniões. Os defensores da proposta afirmam que o texto traz proteções importantes para os usuários da rede contra conteúdos falsos e práticas ilícitas, ao passo que os opositores do PL afirmam que ele restringe a liberdade de expressão, ameaça a privacidade e afasta investimentos do país.
Se existe dúvida sobre o acerto do PL, não há como discordar do fato de que a sessão deliberativa que terminou com a sua aprovação foi bastante movimentada. Chamaram atenção alguns lances inusitados, como os títulos dos livros exibidos nas estantes atrás dos senadores e a forma de interação entre os congressistas em sessões remotas.
Particularmente tenho minhas reservas com a redação que saiu do Senado, especialmente no que diz respeito ao regime de responsabilização na rede e o aumento na guarda de dados pessoais. Mas este texto aqui não se presta a opinar sobre o conteúdo da proposta, mas sim recordar alguns detalhes da sessão deliberativa que podem ter escapado para quem não ficou mais de quatro horas grudado na transmissão da TV Senado.
Separamos aqui alguns desses momentos que ajudam a entender a temperatura das discussões e o que pode vir pela frente quando o texto, muito provavelmente, retornar ao Senado depois da sua passagem pela Câmara dos Deputados.
“Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha”
A missão do senador Angelo Coronel exigia fôlego, já que como relator do substitutivo era preciso, além de apresentar o seu texto, cobrir a análise de centenas de emendas que foram apresentadas ao PL, destacando o nome de seu autor e se ela foi acatada ou recusada.
O esforço de locução do senador foi de fazer inveja a muitos narradores esportivos, acelerando a leitura em alguns pontos e inserindo dramaticidade em outros. O fato da leitura ocorrer em transmissão remota só aumentou o efeito de narração esportiva.
Queridos todos
O senador Mecias de Jesus é “uma figura alegre, uma figura inteligente, uma figura cativante”. Já o senador Marcos do Val é “o homem da Swat do Congresso Nacional”. A leitura do relatório pelo senador Angelo Coronel contou também com um inventário de qualificações que o mesmo foi inserindo a cada nova menção a um de seus colegas que havia proposto emendas.
Dessa maneira, a leitura do relatório ofereceu uma certa janela para a composição do Senado, através dos comentários afetuosos e por vezes bem-humorados do relator. Foi difícil acompanhar todas as menções ao vivo, mas as notas taquigráficas da sessão estão aí para isso mesmo. Para quem perdeu, segue a lista:
Randolfe Rodrigues – “uma mente pródiga”, “um dos homens mais inteligentes do Congresso Nacional”
José Serra – “homem que revolucionou a saúde com o fomento da indústria dos genéricos”
Jean Prates – “um dos grandes colaboradores para que este substitutivo saísse, com sua maneira tranquila, prática, conciliadora”
Eliziane Gama – “grande guerreira”, “uma das mentes pródigas nesta Casa”
Vanderlan Cardoso – “querido Senador do PSB, do Estado de Goiás, baiano, rondoniense, roraimense”, “muito me honra ser seu amigo”
Styvenson Valentim – “querido amigo”, “uma das revelações deste Congresso”
Fabiano Contarato – “uma das figuras de proa deste Congresso Nacional”, “talvez uma das pessoas que tenha uma sensibilidade pela qual nos cause até inveja”
Humberto Costa – “um dos Senadores mais aguerridos dessa Casa”
Dário Berger – “uma das pessoas de proa também desse Parlamento”
Jorge Kajuru – “grande radialista, comunicador, homem realmente que muito honra o Senado da República”
Jaques Wagner – “ex-Governador da Bahia por dois mandatos consecutivos, que conseguiu mudar a história da Bahia há 16 anos”
Rodrigo Cunha – “jovem senador”, “uma pessoa focada e inteligente”
Mecias de Jesus – “uma figura alegre, uma figura inteligente, uma figura cativante”
Zequinha Marinho – “figura que cativa todos nós”
Wellington Fagundes – “meu amigo de longa data lá de nossa querida Rondonópolis”, “esposo da minha querida amiga Mariene Fagundes”
Jader Barbalho – “grande líder do Estado do Pará”
Fernando Collor – “grande Presidente”, “revolucionou o sistema automobilístico do Brasil!”
Weverton Rocha – “grande senador, líder do Estado do Maranhão, que muito honra esta Casa, meu amigo pessoal”
Esperidião Amin – “nobre senador”, “com quem hoje tivemos o prazer de um debate, pela manhã, numa emissora de rádio”
Luiz do Carmo – “nosso empresário goiano amigo”
Marcos do Val – “o grande e jovem Marcos do Val”, “o homem da Swat do Congresso Nacional”
Zenaide Maia – “a nossa doutora, infectologista, uma grande mãe e grande política”
Eduardo Gomes – “grande amigo do Tocantins”, “fazendo um excelente trabalho como Líder do Governo”
Paulo Rocha – “uma das figuras mais focadas, calma, tranquila e abalizada deste Parlamento”
Daniela Ribeiro – “grande parceira do relatório” Kátia Abreu – “guerreira Senadora do Estado do Tocantins”, “ex-Ministra”
Leila Barros – “grande desportista, um dos orgulhos do Brasil nas quadras e que hoje vem orgulhando o Brasil também dentro do Parlamento”
Livros que falam
Tenho o péssimo hábito de reparar nas estantes alheias. Se isso já era um traço inconveniente na época em que se visitava a casa dos outros, agora tudo ficou mais complicado na quarentena quando o interior da casa de ministros, deputados, senadores e jornalistas passou a aparecer com mais frequência em programas, sessões e entrevistas. As estantes, assim como as casas, nunca são arrumadas impunemente. Quando a casa é muito arrumada parece que ninguém mora lá e aquela organização toda serve a um propósito.
Da mesma forma, os livros que aparecem nas estantes de quem fala na televisão podem não ter ido parar lá naturalmente. Ao contrário, eles são ali colocados para mandar um recado, para passar mensagens. Acontece sempre.
Na sessão que aprovou o PL2630, o senador Plínio Valério começou alertando que o Senado estava votando o texto de forma apressada e que havia uma divergência importante sobre a sua procedência. Atrás dele, ali em pé na estante, estava o livro “A Arte da Prudência”, de Baltasar Gracián, naquela edição econômica da Martin Claret que serve como livro e como exame oftalmológico ao mesmo tempo. São duas formas de endereçar problemas de visão. Coincidência ou recado?
Mais adiante, quando já se havia decidido pela votação, saiu de cena “A Arte de Prudência” para dar lugar ao livro “Como as Democracias Morrem”, de Levitsky e Ziblatt. Quem sabe no futuro os escafandristas não vão descobrir vestígios da nossa estranha civilização em que os congressistas se comunicavam através de livros na estante?
Posso estar enganado, mas acho que vi um “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, em pé na estante de madeira, no canto esquerdo, que estava atrás do senador Álvaro Dias. Era aquela edição de capa branca antiga da Record, com prefácio do James Clavell. Sucesso nos sebos. Lembrando que “A Arte da Guerra” não é um livro sobre regulação.
O que vem pela frente?
Alguns senadores manifestaram a sua discordância sobre a forma pela qual se deu a votação, sem passar por comissões dado o regime excepcional de funcionamento do Senado, além de tecer críticas ao conteúdo do projeto em si. Segundo o senador Major Olímpio, “estamos matando a vaca para acabar com o carrapato.”
O senador Espiridião Amin lembrou que o texto do PL foi votado “com o fígado”, já que muitos senadores buscaram no texto criar ferramentas para impedir que ataques sejam perpetrados pela rede a partir de suas experiências pessoais, muitas das quais relatadas durante a sessão.
O senador Alessandro Vieira, autor do projeto no Senado, comemorou a aprovação publicando algumas das medidas que constam do projeto.
A próxima etapa do PL é a sua tramitação na Câmara dos Deputados. Por lá, o presidente da casa Rodrigo Maia já indicou que o texto receberá prioridade.
O presidente Jair Bolsonaro, a quem caberá por fim sancionar ou vetar dispositivos do PL, disse em uma live achar que o projeto “não vai vingar” e questionou se o mesmo não deveria passar por uma “consulta popular”.
Vamos acompanhar o que dirão os deputados (e os livros de suas estantes).
Por falar em estante, enquanto o presidente Bolsonaro falava sobre o PL na sua live, a estante lá atrás exibia uma série de livros antigos, finamente encadernados, além de dois calendários da Caixa Econômica e o presidente da Embratur com a sua sanfona. Seria coincidência ou mais um recado?
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