Inteligência artificial compete com humanos por água

Coluna de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

16 de julho de 2024

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Datacenters removem a água da natureza, devolvendo parte com impurezas, e consomem outra fatia, que evapora

Os três pilares necessários para que a inteligência artificial possa funcionar são: chips, eletricidade e água (doce). Na semana passada escrevi como o uso de energia aumenta por causa da IA. Mas em geral pouco se fala sobre o consumo de água.

A informação mais comum de se encontrar online é de que uma empresa de inteligência artificial “bebe” uma garrafa de 500 ml de água a cada 10 perguntas (prompts) feitas na sua plataforma. O número já impressiona, mas é importante olhar para ele no detalhe, porque nem todo uso de água é igual.

Uma coisa é remover a água da natureza e devolvê-la ao ambiente. É o que fazemos quando escovamos os dentes. A água volta com impurezas, mas com tratamento adequado, pode ser reutilizada. Outro uso distinto é consumir a água, em vez de devolvê-la. Consumo é definido como “a água evaporada, transpirada ou de alguma outra forma removida do seu ambiente imediato”.

Os datacenters usados pela inteligência artificial fazem as duas coisas. Removem a água da natureza, devolvendo parte dela com impurezas. E consomem outra parte, que evapora. Um estudo de 2023 feito pelo engenheiro da computação Shaolei Ren e sua equipe apontou que só o treinamento do GPT-3 feito nos Estados Unidos evaporou 700 mil litros de água.

Na média, dependendo da temperatura exterior, um datacenter pode evaporar até nove litros por cada KWh de energia usada. Esse número aplaca a inquietação de um leitor que comentou no meu artigo da semana passada. Ele fez as contas dos números da energia consumida pelos chips que mencionei e disse que “teriam de ser refrigerados à água e muita água, como a que refrigera a resistência do chuveiro”. Bingo!

O uso de água pela inteligência artificial não para por aí. Produzir os chips também usa quantias enormes de água pura. Uma fábrica de chips retira vários milhões de litros de água do ambiente por dia. A parte retornada pode conter materiais tóxicos, que requerem tratamento especial para reuso. A parte consumida é difícil de determinar, já que não há informações disponíveis nem obrigações de transparência.

As empresas de tecnologia que possuem políticas de transparência ambiental têm reportado aumento no consumo de energia, água e emissões de carbono. A Microsoft, por exemplo, reportou a remoção de 12,9 bilhões de litros de água em 2023 e 7,8 bilhões de litros consumidos, um aumento de quase 50% desde 2020. Um representante da empresa afirmou para a revista Wired que a empresa está comprometida com o objetivo de se tornar negativa em carbono e positiva em água até 2030.

Vale também mencionar que várias outras empresas não possuem políticas de transparência ambiental (OpenAI, por exemplo) e não publicam relatórios de impacto. Então não dá para saber seus números, mas dá para estimar que os níveis são similares.

Vale lembrar que a água disponível para uso humano é limitada, basicamente a água de superfície e subterrânea. A inteligência artificial compete conosco pelo mesmo tipo de água. Tudo isso é extremamente importante para o Brasil. Somos não só o maior produtor de energia renovável do planeta, como também o maior detentor de água doce, com 12% das reservas globais, o dobro do segundo colocado. Precisamos gerir esses recursos estrategicamente.

Podemos nos tornar um país central para a inteligência artificial, promovendo riqueza local, desenvolvimento e sustentabilidade. Perceber e fazer isso com sabedoria é uma das missões centrais da nossa geração.

Já era – achar que a inteligência artificial não irá beneficiar o Brasil economicamente

Já é – perceber que o Brasil pode ser o maior fornecedor de energia e água renovável do planeta, de forma sustentável

Já vem – trabalhar para aproveitar essa oportunidade sabiamente, com sustentabilidade e sem dormir no ponto

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