Inteligência artificial vai acabar com o direito autoral?

Leia a coluna da semana de Ronaldo Lemos para Folha de S.Paulo.

publicado em

24 de abril de 2023

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Se não for atualizado, direito autoral será obsoleto como um dirigível do início do século 20

Em um futuro não tão longe, é provável que boa parte do que vemos e consumimos online vai ser gerada por inteligência artificial.

Isso já pode ser visto na música. Como sempre, a música funciona como ponta de lança das grandes transformações sociais. Fenômenos que mudam tudo se tornam visíveis primeiro no campo musical. No fim dos anos 1990, foi o Napster que iniciou o terremoto que modificaria todas as indústrias de mídia. Como diz o filósofo Jacques Rancière: “O som é profético, é o que vem primeiro”.

Está acontecendo o mesmo agora. Na semana passada, saiu um álbum musical chamado “Aisis”, justaposição de AI (inteligência artificial) com Oasis. Os autores compuseram músicas inspiradas pela banda inglesa. Só que substituíram os vocais pela voz de Liam Gallagher usando AI. Teve gente que achou que se tratava de um disco da banda original.

Tem mais. Uma música nova do rapper Drake apareceu nas redes sociais e plataformas de streaming. Só que Drake não lançou nada. A faixa, chamada “Heart on My Sleeve”, foi feita com AI por um autor pseudônimo chamado @ghostwriter. Ela teve milhões de execuções nas plataformas até ser tirada do ar a pedido da gravadora Universal por suposta violação de direitos autorais.

Isso gerou um debate violento. A música teria violado os direitos autorais de Drake? Apesar de claramente parecer dele, não copia nenhum trecho do seu repertório musical. Nesse sentido, é original. Isso fez com que diversos especialistas afirmassem que não houve violação. Pode ter havido uso indevido da voz do artista sintetizada, mas não do seu direito autoral.

O episódio levou a um comentário ácido da banda inglesa Massive Attack no Twitter: “A discussão deveria ser sobre a inteligência artificial poder criar músicas ou sobre a música atual ser tão homogênea e clichê que pode ser facilmente imitável?”.

O fenômeno não acaba aí. O produtor musical Andrew Faze detectou várias músicas iguais no Spotify que aparecem com nomes de faixa e de artista diferentes em várias playlists do gênero “easy listening”. Sua hipótese é que são músicas criadas por AI, que não pagam direitos autorais, inseridas na plataforma exatamente por essa razão.

Como dá para ver, o tema está quente. Tudo isso vai aparecer em outros campos. Por exemplo, por que eu licenciaria uma foto se posso gerar qualquer tipo de imagem de graça e sem direitos autorais usando inteligência artificial? Ou ainda, se a AI pode escrever textos competentes sobre qualquer assunto (de saúde a atualidades), por que pagar alguém para isso?

Sínteses digitais vão se tornar mais baratas do que criações humanas. Baratas não só do ponto de vista comercial mas também do ponto de vista pessoal. Em breve vai ser mais fácil postar conteúdo produzido por AI nas redes sociais do que perder tempo criando conteúdos originais.

Nesse futuro não tão longe, é provável que a máquina se torne nossa principal fonte de entretenimento e notícias. A questão é que o trabalho humano é quem sai perdendo. E o direito autoral, se não for atualizado, vai se tornar uma criação obsoleta como um dirigível do início do século 20.


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