Juristas 7 x Sociedade 1 no jogo legislativo

Coluna semanal de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

19 de setembro de 2023

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É como se o Brasil tivesse voltado no tempo em tecnologias de participação popular

O Brasil está em processo de criação de leis importantes no Congresso Nacional. Algumas lidando com temas do futuro, como inteligência artificial ou a construção de um novo Código Civil adequado aos tempos atuais. No entanto, o processo de elaboração dessas leis não poderia ser mais antiquado.

Esses temas são importantes universalmente. A inteligência artificial tem impacto no futuro do trabalho de cada pessoa e na competitividade internacional do país. Já o Código Civil regula a vida de todos nós, dos acidentes de trânsito às relações de família e contratos.

Deveríamos esperar que, com relação a assuntos tão abrangentes, o Congresso ouvisse a opinião de muita gente para escrever a nova legislação, já que todos os setores serão afetados. Não é o caso. O Congresso optou por ouvir a opinião de apenas um segmento. A redação de ambas as leis ficou a cargo de uma comissão de juristas (nome de um grupo composto só por advogados).

O Congresso brasileiro poderia se inspirar na recente fala do senador Chuck Schumer, líder da maioria no Senado dos EUA: “O Congresso precisa inventar um novo processo para desenvolver as leis. Temas como inteligência artificial movem-se depressa. Tradicionalmente, as audiências públicas têm um papel importante para ouvir a sociedade. Mas elas não são suficientes. Precisamos da ajuda dos criadores, inovadores e pessoas que atuam na área”.

A chamada do senador Schumer para “inventar um novo processo para desenvolver as leis” poderia ser prontamente atendida no Brasil. Se existe algo que o país sabe fazer, e bem, é justamente criar tecnologias de participação e deliberação legislativa junto a todos os setores da sociedade. Somos não só líderes, mas um grande exportador desse tipo de tecnologia.

Foi no Brasil que surgiu, por exemplo, o orçamento participativo, processo para decidir de forma ampla a aplicação do dinheiro público. O modelo brasileiro é usado hoje em dezenas de países: Alemanha, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Holanda, Suíça e mais. Cidades tão díspares como Mumbai ou Nova York usam o método brasileiro para consultar seus cidadãos sobre como será aplicado o dinheiro público, um dos temas mais difíceis e controversos.

O Brasil do passado já usou tecnologias de participação para a elaboração de leis como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção Dados. O próprio Congresso investiu por anos na sua plataforma de consulta digital, o e-Democracia, que hoje anda à deriva. É como se o Brasil tivesse voltado no tempo. Começou nos anos 2000 como líder em tecnologias de participação. Hoje, 20 anos depois, contenta-se com grupos de advogados como modelo de participação. É como no livro Ubik do visionário Philip K. Dick, onde o tempo anda para frente e os personagens para trás.

Dá para fazer diferente? Dá. Por exemplo, na questão da inteligência artificial é fundamental nomear comissões permanentes compostas de outros segmentos: a comunidade científica brasileira de IA (instituições como a UFPB e a Ufam têm pólos de excelência na área). Fundadores de startups brasileiras de IA, organizações da sociedade civil. E até ouvir cidadãos sorteados aleatoriamente (no método chamado “sortition”, cada vez mais interessante).

Qualquer outra composição é mais representativa do que ouvir só os advogados. Até por ser parte da classe, aproveito para lembrar que nenhum segmento deveria atuar sozinho. A qualidade do resultado final agradece.


Já era Brasil como líder em tecnologias de participação pública na formulação de leis

Já é Comissões de advogados representando toda a sociedade na formulação de leis

Já vem Países como os EUA ampliando processos de participação pública legislativa

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