Mais proativas, redes sociais assumem novo papel na eleição dos EUA

Coluna de Carlos Affonso no UOL

publicado em

5 de novembro de 2020

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O que faz o eleitor americano sair de casa para votar? A confiança nas propostas do seu candidato favorito? A rejeição ao candidato do partido adversário? De 2016 para cá novos fatores entraram na equação, como a interferência russa, o uso de dados da Cambridge Analytica, o ataque de robôs e contas falsas, além das famosas teorias da conspiração. De uma forma ou de outra, as grandes empresas de internet estão no centro do debate sobre a formação da convicção eleitoral dos norte-americanos.

Depois de meia dúzia de audiências públicas no Congresso dos EUA e de discursos inflamados do presidente Trump e de congressistas de ambos os espectros políticos, as gigantes da internet adotaram estratégias diferentes para preservar as eleições americanas, evitando a disseminação de notícias falsas e de mensagens que pudessem restringir o exercício do voto, que é facultativo por aquelas bandas.

Mas como se protege algo tão importante como as eleições presidenciais em um dos países mais importantes do mundo? Cada empresa escolheu as suas armas. Conhecê-las e entender os seus efeitos vai ajudar a entender o papel que a internet desempenhou em uma das eleições mais polarizadas da história dos EUA.

Trending topic é boca de urna?

Em alguns países existem restrições severas sobre o que pode ser divulgado no dia das eleições. No Brasil, por exemplo, não se pode divulgar as pesquisas conhecidas como “boca de urna” até o fechamento das sessões eleitorais. Na França, o período é até maior e nele os veículos de comunicação não podem exibir comentários dos candidatos e de seus apoiadores.

O Instagram anunciou que não exibiria para usuários norte-americanos as hashtags mais populares na aba “recentes”. A medida visa a coibir o efeito viral de hashtags que pudessem interferir com o voto no dia da votação, seja dando instruções erradas ou proclamando resultados fraudulentos em determinado estado. De certa maneira, essa restrição lembra muito a proibição de divulgação de pesquisas de boca de urna no Brasil.

Se o eleitor pudesse ver no aplicativo que a hashtag #EuvoteiemFulano estivesse superando em muito a hashtag #EuvoteiemSicrano, talvez os eleitores desse último candidato se sentissem menos propensos a ir votar.

Internet tem “circuit breaker”?

A expressão “circuit breaker” saiu da Faria Lima para entrar na cabeça do brasileiro após os sucessivos pregões da Bolsa de Valores, em que as operações foram suspensas para evitar uma queda ainda maior no valor dos títulos negociados. A imagem é fácil de entender: o “circuit breaker” é uma medida que impede o funcionamento de um circuito elétrico.

Curiosamente, foi essa a mesma expressão usada para caracterizar o que fez o Facebook ao reduzir a visibilidade em sua plataforma de uma matéria do New York Post que trazia revelações sobre o filho do candidato democrata Joe Biden usando seu parentesco para a obtenção de vantagens políticas.

A matéria foi baseada em informações obtidas em um laptop supostamente deixado por Hunter Biden em uma loja de conserto. Muitos fatos envolvendo essa história ainda são pra lá de duvidosos.

O Facebook então resolveu passar a avaliação dessa matéria para checadores externos, reduzindo a sua distribuição na plataforma. De certa maneira, essa decisão terminou por reduzir sensivelmente o alcance de um conteúdo que se pretendia explosivo e que poderia alterar de forma relevante o curso da campanha. Foi um circuit breaker. Só que ao invés de interromper uma corrente elétrica, aqui a medida tem o efeito de cortar a viralização de um certo conteúdo.

Conteúdo vazado e os “termos de uso”

O Twitter invocou a sua política contra a divulgação na plataforma de conteúdos vazados e hackeados para impedir a divulgação da matéria do New York Post.

Em audiência pública no Congresso dos EUA, o executivo-chefe da empresa, Jack Dorsey, reconheceu que a política foi aplicada de forma errônea, já que o jornal acabou ficando proibido de tuitar e a URL da matéria foi bloqueada na plataforma.

De certa maneira, se fosse aplicada na sua literalidade, uma política que impedisse a divulgação de conteúdos hackeados/vazados teria bloqueado no Brasil a divulgação das matérias conhecidas como Vaza Jato, explorando o conteúdo de mensagens trocadas entre procuradores e o ex-juiz Sergio Moro. Vale lembrar que essas mensagens foram publicadas por quase todos os grandes veículos de imprensa do país.

Será que as reportagens poderiam existir na imprensa, mas não no Twitter?

A adoção dessas medidas, como era de se esperar, recebeu reações diversas, com especialistas concordando ou discordando da sua implementação.

No campo político norte-americano, republicanos procuraram mostrar que essas medidas representam um viés por parte das plataformas em censurar vozes conservadoras. No campo democrata essas medidas soaram como um esforço por parte das empresas em coibir a desinformação na véspera das eleições.

Essa foi a tônica de uma audiência pública realizada na semana passada no Senado dos EUA. Enquanto republicanos buscavam enfatizar o viés democrata das gigantes do Vale do Silício (entre uma ou outra alegação de conluio chinês), democratas alertavam que a audiência parecia ter sido convocada para pressionar os executivos das grandes empresas a afrouxar as medidas de moderação de conteúdo.

Tudo isso se desenrola em um contexto em que suspeitas de interferência estrangeira nas eleições americanas são costuradas com alegações de interferência doméstica. Somado ao papel importante que a televisão, em especial os noticiários locais, exercem sobre a formação do eleitorado.

Nem sempre a culpa é da rede, mas as eleições americanas oferecem uma janela importante para entender como a tecnologia entrou em campo de vez para fazer a cabeça do eleitor.

Vale ainda lembrar que no dia 3 de novembro, data final das eleições americanas, se encerra também o período de mercúrio retrógrado na astrologia. Quem sabe a culpa não é das estrelas?

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