Meios de pagamento podem cancelar contas de Olavo de Carvalho?

Coluna de Carlos Affonso no UOL

publicado em

10 de agosto de 2020

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O cancelamento de Olavo de Carvalho pelo PayPal e a resistência do PagSeguro trazem algumas lições. A primeira é que as empresas podem ir se acostumando a fazer cada vez mais avaliações sobre direitos humanos. A segunda é que termos de uso não são declarações bonitas pra inglês ver e que, por fim, é preciso ter procedimento na sua aplicação.

Quando você cria uma empresa de meios de pagamento, talvez avaliações sobre direitos humanos e liberdade de expressão não pareçam estar dentre as suas principais atividades. Os tempos mudaram e essa tendência por mais escrutínio só vai aumentar. O que joga luz sobre as regras de atuação das empresas.

Se a empresa colocou nos seus termos de uso que é proibido que os usuários divulguem mensagens que incitem violência, ódio, que sejam caluniosas, ela deixou claro que tem o direito de remover esses conteúdos e essas contas. Essa decisão não é apenas jurídica, mas também comercial.

Mas de nada adianta ter declarações nos termos de uso se elas não são aplicadas. Ao contrário, em tempos bicudos como esses, a primeira linha de enfrentamento desses casos são as regras que as próprias empresas criaram. Foi-se o tempo em que essas regras eram apenas declarações de boas intenções penduradas em um link profundo de sites corporativos.

Muitas empresas estão descobrindo as próprias regras e aprendendo da forma mais difícil a sua importância e a urgência de se ter um procedimento padrão para sua aplicação. PayPal pode remover Olavo? Pode. PagSeguro pode manter Olavo? Pode. Mas ambas precisam esclarecer como os seus termos foram aplicados (pelo menos para os diretamente afetados no caso). Seja mantendo ou removendo uma conta, toda decisão tem o seu preço e essa avaliação passa a ser uma atividade crucial que mobiliza diversos setores da empresa, especialmente quando se está no meio de uma nova polêmica.

Uma matéria recente do UOL sobre a remoção da conta de Olavo de Carvalho pelo PayPal mostrou como o tema é complexo. Pessoalmente não acho que remover Olavo do PayPal é uma medida discriminatória por si só. Discriminação é fazer isso sem procedimento, sem dizer o que foi violado, e aplicar as regras de forma seletiva. O que vale para um deve valer para todos.

Ninguém disse que seria fácil. Tanto as empresas que derrubarem conteúdos e contas, como as que decidirem por sua manutenção, precisam se acostumar com a pressão que virá de todo lado. Ter um procedimento de avaliação transparente, informativo e coerente está deixando de ser um artigo de luxo e virando uma medida esperada por usuários e pelo público em geral.

Vale lembrar que termos de uso são contratos que as empresas celebram com seus usuários. Eles são as regras da casa. Mas que nessas relações também se aplicam as leis de cada país. Então autonomia privada, direitos fundamentais e sua aplicação também entram no debate.

Diferentes empresas vão enfrentar dilemas distintos. Uma coisa é a rede social na qual o conteúdo viraliza e pode chegar a qualquer usuário. Outra coisa é uma empresa que vende um conteúdo. A princípio só teria acesso ao mesmo quem pagasse por ele. Será que isso faz diferença na decisão?

Para se ter uma ideia de como a pressão pode mexer com as engrenagens de uma empresa, a MasterCard chegou a levar a voto internamente a criação de comitê de direitos humanos para avaliar remoção de contas de incitação à violência. A proposta foi derrotada.

Se não tiverem clareza sobre como aplicam as próprias regras, as empresas vão ser cada vez mais alvos de boicotes, ataques e acusações de parcialidade. É mais lenha na fogueira da cultura do cancelamento e isso atinge não só o CNPJ, mas também funcionários, diretores e clientes.

Não estou dando dica, nem sou Mãe Dináh, mas do jeito que a cultura do cancelamento anda acelerada, não seria de se espantar que ela chegasse no Judiciário. A análise combinatória fica então ainda mais complexa: canceladores buscando que a Justiça obrigue o cancelamento, cancelados procurando reverter o cancelamento, além de empresas querendo reconhecimento do direito de escolher ou não cancelar.

Uma parte desse futuro incerto pode ser contida desde já, com um esforço sincero por parte das empresas em dar vida às suas regras de atuação, tendo clareza de que, em tempos cada vez mais polarizados, toda decisão polêmica vai desagradar a um dos lados. Atuando de forma transparente, informativa e coerente pode-se –quem sabe?– vencer o debate e ter razão.

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