Notas da comunidade: o que são? Como vivem? Onde comem?

Coluna de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

28 de janeiro de 2025

categorias

{{ its_tabs[single_menu_active] }}

tema

Se a Meta implementar o modelo do jeito certo, as possibilidades serão enormes

Meta anunciou que vai substituir a checagem de fatos por notas da comunidade (NC) nos EUA. Isso causou debates intensos, inclusive no Brasil. O assunto me interessa diretamente. Afinal, faço parte do Conselho Independente de Supervisão da Meta (Oversight Board). No mesmo dia do anúncio, os copresidentes do Oversight Board anunciaram que a organização vai buscar “assegurar que o novo mecanismo seja o mais efetivo possível”.

Enquanto isso acontece, seguem algumas considerações de cunho pessoal sobre o tema. Para qualificar o debate, é importante entender o que são, suas vantagens e deficiências. Uma NC é um texto explicativo que é colocado logo depois de um conteúdo postado. Esse texto é colocado em postagens consideradas enganosas, incompletas ou que necessitam de contexto adicional. São os próprios usuários da plataforma que sinalizam sua necessidade.

São também os usuários que redigem as NCs, explicando por que o conteúdo é enganoso ou dando informações adicionais. De novo, são os usuários que decidem se uma NC será considerada útil ou não. Para ser aprovada, a NC precisa do aval de usuários com perspectivas diversas. Só então são exibidas com as postagens. Qualquer pessoa pode colaborar nesse processo.

Muita gente atribui a origem das NCs ao X, que começou a experimentar o modelo em janeiro de 2021. No entanto, essa origem é incorreta. O modelo das NCs remonta à primeira era de ouro da internet, ainda nos anos 2000, com a criação da Wikipedia, que é escrita de forma semelhante. Na época, vigorava a ideia de “sabedoria das multidões” ou crowdsourcing. Graças a plataformas abertas e participativas como a Wikipedia, o Slashdot, o Digg, ou o Overmundo, no Brasil, era possível construir um modelo em que a própria comunidade criava, editava e aprovava os conteúdos publicados.

Esse modelo foi extremamente poderoso. No Brasil, fizemos uma lei com ele. O Marco Civil da Internet foi construído por crowdsourcing entre 2008 e 2010. Usamos ferramentas abertas e colaborativas, para criar coletivamente o texto de uma lei complexa, redigida e debatida online, de forma aberta e consensual. Por isso virou referência no mundo todo (vou inclusive falar sobre isso no SXSW deste ano).

No entanto, a partir de 2012 o crowdsourcing colapsou. A internet começava a ser tomada por robôs, perfis falsos e ferramentas que manipulam os esforços colaborativos abertos. Até se tentou discutir a reforma da lei de direitos autorais em 2012 online, mas o esforço ruiu: os robôs e as contas falsas arruinaram tudo. As pessoas haviam aprendido a mentir e manipular online.

Por tudo isso, diferentemente do tom geral, fico particularmente animado com o retorno de um esforço de larga escala de crowdsourcing como as NCs. Se a Meta implementar o modelo do jeito certo, livrando-se dos robôs e da manipulação; fazendo o sistema aberto, transparente e escalável; usando inteligência artificial e um sistema de reputação melhor que o do Slashdot, isso pode representar uma renascença da ideia de “sabedoria das multidões”. Se der certo, as possibilidades serão enormes.

Já era – Crowdsourcing 1.0 para criar, editar e organizar conteúdos

Já é – Prevalência dos algoritmos

Já vem – Crowdsourcing 4.0, redesenhado para a realidade atual

autor

{{ pessoas.pessoaActive.title }}

×