Nova Inteligência Artificial é espantosa

Coluna de Ronaldo Lemos na Folha de São Paulo

publicado em

11 de agosto de 2020

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Avanço pode mudar radicalmente várias atividades humanas

Em 1966, um professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Masschussetts) criou um programa capaz de conversar por texto, chamado Eliza. Ele dava a impressão de entender o que as pessoas teclavam. Muita gente apegou-se emocionalmente a ele (o chamado “efeito Eliza”). Seu truque era devolver para o usuário, com algumas modificações, aquilo que ele mesmo dizia.

Corte para 2020. Acaba de surgir um dos avanços espantosos na história da inteligência artificial. Seu nome é GPT-3 (Transformador Generativo Pré-Treinado 3). Ele é capaz de entender qualquer frase e informação, autocompletar, responder e criar padrões como se fosse um ser humano. Diferente do Eliza, suas capacidades atuais são de fazer o orifício lombar inferior cair das nádegas.

Esse avanço pode mudar radicalmente várias atividades humanas. Uma forma simplificada de entender é pensar no GPT-3 como o mais poderoso autocompletar já construído. O sistema foi treinado com um conjunto gigantesco de dados e por isso consegue resolver problemas de forma tão chocante.

Por exemplo, consegue escrever ensaios inteiros coerentes e bem-articulados sobre temas complexos. Mais do que isso, pode escrever encarnando personalidades famosas (como Jane Austen dissertaria hoje sobre blockchain? O que Harry Potter tem a dizer sobre a queda do PIB dos EUA?). Em problemas similares o GPT-3 vem impressionando.

Mais do que isso, o GPT-3 é capaz de gerar tablaturas musicais com base em pouquíssimos parâmetros (exemplo: escreva uma música de guitarra chamada Noites Tórridas de Verão, com nome artístico de Banda Beijo). Com poucas informações insólitas coma essas tablaturas surgem, prontas execução.

Consegue também desenhar, completar figuras em sequência, preencher tabelas inteiras de Excel e programar. Exemplos: desenhe um triângulo azul (ele surge); preencha um Excel com empresas de tecnologia por tamanho de faturamento (planilha surge); crie um programa que gera um botão vermelho com para o meu aplicativo (código de programação surge). Para nós advogados há muitas aplicações.

Para criar uma petição, basta dizer qual é a causa e o GPT-3 redige todo o texto, já com citações da lei e de decisões apoiando o caso.

O GPT-3 é obra da Open AI, organização que era sem fins lucrativos e agora virou empresa comercial. A Open AI oferece acesso ao sistema (API) para entidades parceiras desenvolveram novas aplicações, mediante pagamento. Há inúmeros problemas também: discriminação e preconceitos vergonhosos, respostas erradas, questões étnicas incontornáveis. E o problema central: saber se a resposta do GPT-3 está certa. Ele pode gerar respostas incríveis e bem-redigidas, totalmente erradas.

Qual o impacto para o Brasil? Em princípio, desigualdade. Na língua portuguesa não existem repositórios vastos e tão organizados como em inglês para treinar uma aplicação assim. Em outras palavras, não vai funcionar bem para quem falar português. Essa, aliás, deveria ser uma missão nacional.

Criar um plano nacional de Inteligência Artificial e começar o longo esforço de reunir e disponibilizar bases de dados nacionais que permitam brasileiros treinar IA’s legitimamente locais (incluindo arquivos públicos, transcrição de debates do legislativo, do poder judiciário, do executivo etc.), como fizeram outros países (várias ferramentas de IA foram treinadas com as transcrições do Parlamento Euoropeu). Esse seria um bom começo. De outro modo, permaneceremos consumidores e não criadores de inovações assim. A nós caberia só o espanto. Aos outros causá-lo e vende-lo.

Já era – Achar que inteligência artificial pode gerar “consciência”
Já é – Tentar fazer um computador criar “consciência” como se fosse humano, sem sucesso
Já vem – Constatar que o que faz uma inteligência artificial funcionar é o volume de dados usado para treiná-la

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