O aplicativo que incendiou as universidades nos EUA

Coluna semanal de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

13 de maio de 2024

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    SideChat pretendia ser um refúgio anônimo para universitários, mas acabou abrigando ataques

    A culpa dos protestos que estão ocorrendo nas universidades dos EUA obviamente não é do aplicativo SideChat. No entanto, ele tem tido um papel na radicalização dos embates. Para quem nunca ouviu falar, o SideChat é um aplicativo para postagens anônimas. Uma espécie de Twitter, que fala de acontecimentos em tempo real por meio de mensagens curtas, vídeos e fotos.

    Só que tudo é anônimo. A única informação é a universidade onde o conteúdo foi postado, mas não quem postou. Para se inscrever no SideChat é preciso ter uma conta de email de uma universidade. Com isso o app esperava assegurar que as conversas acontecessem só entre estudantes e, por isso, fossem cordiais.

    Não foi o que aconteceu. Relatos em toda a parte mostram que o SideChat se tornou uma espécie de porta do inferno. Em depoimento para a revista Wired, um estudante chamou o aplicativo de “esgoto”. A razão é a quantidade de conteúdo problemático postado, incluindo ataques racistas, incitação à violência, e conteúdo degradante, direcionado a israelenses e palestinos.

    O resultado é visível em praticamente todas as universidades dos EUA, da costa leste à costa oeste. Este colunista foi professor da universidade de Columbia, epicentro dos protestos e tem acompanhado com preocupação a situação. Várias universidades cogitaram bloquear o aplicativo. No entanto, a ideia teve pernas curtas. Tanto por conta das proteções constitucionais à liberdade de expressão nos EUA, quanto por causa da impossibilidade técnica do bloqueio.

    A solução foi então convocar reuniões com os representantes da empresa. A demanda em comum é o aumento na moderação do conteúdo do aplicativo. Pelo menos para reduzir o conteúdo claramente ilegal (racismo, incitação à violência etc.). A empresa afirma já fazer isso, e alega ter um time de “30 funcionários”, além de usar ferramentas de inteligência artificial. No entanto, os relatos apontam para um ambiente que na prática se torna cada vez mais tóxico.

    O SideChat pode ser visto como o símbolo mais recente da crise profunda que tomou conta das universidades dos EUA. Originalmente instituídas como um farol da liberdade acadêmica, nos últimos anos foram se tornando incapazes de lidar com temas controversos. Ao se tornarem território de “guerras culturais”, a universidade foi se transformando em um campo minado, onde vários temas foram sendo suprimidos.

    O SideChat se aproveitou disso. Como não era mais possível falar em voz alta sobre vários temas difíceis, o aplicativo criou um espaço virtual onde tudo poderia ser dito. Capitalizou a frustração de quem se sentia silenciado. Só que apostou no anonimato, caminho fácil e perigoso, que destrói os laços comunitários em vez de reconstruí-los. Com isso, abdicou do esforço de reconstruir um espaço baseado no respeito mútuo, para se tornar parte do problema.

    Dá para aprender muitas lições com esse caso. A primeira é que discursos que são suprimidos não desaparecem. Ao contrário, eles se radicalizam ainda mais e vão migrando para canais mais opacos. Seja o SideChat, o Discord, o WhatsApp, o Telegram e outros. A tarefa que temos como sociedade é reconstruir espaços para lidar com temas difíceis. E não suprimi-los, ou tocar fogo neles.

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