O Instagram que conhecemos vai acabar

Leia a coluna da semana de Ronaldo Lemos para Folha de S. Paulo

publicado em

9 de agosto de 2022

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Mudança da rede, e do Facebook como um todo, é profunda e inevitável

Na semana passada houve muita gente furiosa com as mudanças que o Instagram está implementando. A rede social que surgiu com fotos está cada vez mais tornando-se uma plataforma para vídeos curtos e ficando cada vez mais parecida com o TikTok. Após protestos de influenciadores importantes (como as irmãs Kardashian) o Instagram voltou atrás em algumas das mudanças. No entanto, as reclamações só atrasam o processo. A mudança do Instagram (e do Facebook como um todo) é profunda e inevitável.

Mais do que isso, a reconfiguração das plataformas da empresa tem o potencial de produzir impactos enormes não só sobre a indústria de tecnologia, mas para a sociedade como um todo. Por isso é importante entender exatamente o que está acontecendo.

O Instagram e o Facebook estão gradativamente abrindo mão do chamado social graph. O termo em inglês diz respeito às pessoas que você se conecta, que decidem seguir você e que você segue. Em um mundo em que as instituições coletivas estão cada vez mais enfraquecidas, a sua rede social é o que existe mais próximo no mundo digital de uma comunidade. É a sua tribo no mundo online, as pessoas que você decidiu acompanhar a vida e que decidiram acompanhar a sua.

É dessa comunidade que o Facebook e o Instagram estão querendo se livrar. A ideia é que quando você entrar nessas plataformas, o conteúdo que aparece para você não venha mais das pessoas que você decidiu seguir.

O algoritmo vai buscar conteúdos produzidos no mundo todo, por pessoas que você não sabe quem é e que podem nem viver no mesmo país, e mostrar aquele conteúdo para você caso determine que é algo que pode te interessar.

Em vez de comunidades, as pessoas vão se conectar com uma massa amorfa e abstrata, com a qual não têm nenhuma conexão direta. Para quem produz conteúdo isso torna o jogo totalmente diferente. Você não vai falar mais para uma plateia que é sua. Cada conteúdo que postar vai competir por atenção com outros conteúdos postados no mundo inteiro. Sabe-se lá onde seu conteúdo irá chegar e, na maioria dos casos, chegue somente para desconhecidos ou não chegue a lugar nenhum. Em outras palavras, é você contra o mundo.

Atualmente cerca de 20% dos conteúdos que já são mostrados para os usuários no Facebook e Instagram não vêm mais do social graph, mas diretamente da decisão do algoritmo onisciente que fica pinçando o que acha que você vai gostar. A ideia é subir esse percentual. Qual o teto? 60%? 80%? Hoje ninguém sabe.

As consequências sociais disso são profundas. Se o ocidente já vive uma crise de individualismo exacerbado, essas mudanças (que estão sendo puxadas pelo TikTok) têm a capacidade de aprofundar a atomização das pessoas. Elas dinamitam o último bastião de coletividade ainda possível no universo digital. Nossa tribo será uma só: o algoritmo. Vai importar cada vez menos quem você segue. O algoritmo vai gerar um broadcast incessante e probabilístico, baseado na medição dos nossos estados mentais mais subjetivos. Nuvens de conteúdos globais vão viajar como aves migratórias parametrizadas.

Nas redes ditas sociais você estará sozinho, relacionando-se principalmente com fantasmas e ilusões plantadas na frente dos seus olhos por um software onisciente.

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