Os chips são a nova arma de controle geopolítico?

Coluna de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

30 de julho de 2024

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Há quem defende que esses componentes sejam fabricados com instruções que permitam controlar o uso

Muito interessante acompanhar o debate sobre chips “controláveis” nos Estados Unidos. A tese é a seguinte. A inteligência artificial tornou-se centro da disputa geopolítica entre os países. Quem dominar a IA, domina praticamente tudo que é importante para assegurar hegemonia: economia, recursos militares, influência política etc.

A base para a inteligência artificial são os chips. Quem tem acesso a chips de última geração, mais rápidos e eficientes, tem a melhor inteligência artificial. Quem não tem fica para trás. Nos últimos meses tem havido uma intensa movimentação para controlar o acesso aos chips.

Por exemplo, no embate com a China, os EUA estabeleceram restrições severas no acesso a chips de última geração e às tecnologias necessárias para sua fabricação (software, equipamentos etc.).

Há agora uma nova proposta na mesa sobre como ampliar ainda mais essas restrições: os chips controláveis (“governable chips”). Seus proponentes defendem que os chips de última geração da inteligência artificial devem ser fabricados com instruções gravadas no próprio hardware que permitam controlar seu uso.

Por exemplo, um chip poderia sair de fábrica com uma limitação quanto ao número de processamentos que pode fazer. Toda vez que o número é atingido, é necessário obter uma nova “licença” do fabricante para o chip continuar funcionando. Nesse processo de renovação é preciso dizer como, onde e para quais finalidades os chips estão sendo usados.

Isso evita, por exemplo, que chips comprados em um país possam ser exportados para outro que sofre restrições. Em caso de qualquer desconformidade, a empresa pode simplesmente negar a licença, paralisando o chip e tornando-o inútil.

Mecanismos similares já existem. Por exemplo, nos iPhones, instruções codificadas nos chips impedem a instalação de certos aplicativos. O Google usa mecanismos de monitoramento remoto nos seus chips para verificar remotamente a possibilidade de ciberataques. E quem joga videogame está familiarizado com chips que impedem pirataria ou trapacear dentro do game.

Só que não há nada tão radical como a ideia dos chips “controláveis”. Nada desse tipo foi colocado em prática até agora. Os críticos a essa iniciativa acham que os resultados podem ser desastrosos.

Primeiro porque pode gerar uma crise de desconfiança bem na raiz da infraestrutura da vida contemporânea. Se um país começa a fazer algo assim, nada impede que outros também o façam. Como chips estão em toda parte, seja em veículos, aviões e até nos marcapassos, imaginar que alguém a distância pode fazer esses aparelhos pararem de funcionar desativando seus chips é um cenário de pesadelo.

Outro problema é o aumento de custos. Implementar esse sistema não é barato. Esse é um tipo de inovação que é contrária ao interesse do consumidor. Seria necessário pagar mais caro por um produto pior, que em vez de fazer mais, faz menos. É como se os chips passassem a vir com um defeito de fábrica, que em tese só beneficia os interesses do ator geopolítico que controla essa restrição, e prejudica todo o restante da cadeia, até o consumidor.

Uma estratégia parecida foi tentada com relação aos DVDs. Para impedir que os filmes fossem pirateados, foi criada uma proteção que impedia os DVDs de serem executados em aparelhos que não fossem certificados. O resultado foi o surgimento de toda uma indústria de fabricantes de aparelhos piratas, livres de qualquer restrição. O feitiço virou contra o feiticeiro.

Já era – achar que a questão da inteligência artificial é apenas com relação aos seus serviços

Já é – perceber que a questão da infraestrutura da IA é tão ou mais importante que a segurança dos seus serviços

Já vem – oportunidades do Brasil de atuar com relação à infraestrutura de IA, especialmente em energia renovável

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