Professores usam IA mais que os alunos

Coluna semanal de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

7 de dezembro de 2023

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    Inteligência artificial não é só trapaça e pode ser uma aliada no aprendizado

    Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos apontou uma tendência importante. Os professores estão usando mais IA (inteligência artificial) do que os estudantes. A pesquisa foi realizada pela Fundação Walton e mostra elementos que ajudam a entender o papel que a IA terá na educação.

    Usam o ChatGPT 51% dos professores, enquanto só 31% dos alunos fazem o mesmo. Entre os professores latinos e negros, o percentual de uso salta para 69%. A maioria dos estudantes (65%) e professores (71%) concorda que a inteligência artificial vai ser “uma ferramenta essencial para o sucesso na educação e no trabalho”.

    Com relação à polêmica sobre a IA ser bem-vinda ou não nas escolas, 38% dos professores já autorizam os alunos a usar inteligência artificial nos trabalhos escolares. Por sua vez, 15% dos estudantes já afirmam hoje que recorrem a ferramentas de IA mesmo quando os professores não autorizaram seu uso.

    Esse é um novo tipo de cola. Em vez de colar do colega, a trapaça agora é feita com ajuda de inteligências artificiais. Esse número tende a crescer.

    A frequência de uso também surpreende: 40% dos professores já afirmam usar a tecnologia pelo menos uma vez por semana. Já entre os estudantes, o uso semanal é de apenas 22%.

    Olhando para esses números, é interessante comparar com a situação do Brasil. A razão pela qual os professores estão adotando a IA rapidamente é certamente porque perceberam que a tecnologia ajuda a poupar tempo no dia a dia. Tal como no Brasil, boa parte dos professores dos Estados Unidos está assoberbada de trabalho. A IA ajuda a solucionar rapidamente tarefas como a realização de planos de aula, organização de currículos, síntese e organização de textos complexos e assim por diante.

    No caso do Brasil, a tendência é também que seja adotada mais rápido pelos professores do que pelos alunos. Por exemplo, a maior parte dos professores no Brasil é horista, trabalha em tempo parcial ou em mais de uma instituição. Em outras palavras, o tempo é seu principal recurso de trabalho. Com a IA, podem ganhar mais eficiência para se organizar, dar mais aulas e quem sabe aumentar a renda ou o lazer.

    Outra questão essencial no Brasil são os “tutores”, ou professores particulares fora do horário escolar. Apenas os alunos pertencentes às famílias mais ricas têm acesso a eles. Isso acaba aprofundando a desigualdade.

    A China, por exemplo, fez recentemente um desmonte das empresas que oferecem tutoria privada. Uma das justificativas foi evitar a “brasilianização” do país. No sentido de que o segmento mais rico da população tenha acesso a educação privada de qualidade e, com isso, pare de se importar com a qualidade da educação pública oferecida para todos.

    Nesse contexto, a IA pode desempenhar um papel importante. Na impossibilidade de haver tutores para todos os alunos, a IA pode acabar desempenhando o papel de tutor. O aluno que tem dificuldades com uma determinada matéria pode recorrer à IA, inclusive com perguntas, tutoria e formulação de exercícios, para poder avançar naquela disciplina. Claro que, para isso, é fundamental planejamento e, mais do que nunca, a valorização do papel do professor.

    O professor precisa construir com os alunos a percepção de que a inteligência artificial não é só uma ferramenta de trapaça. Ela pode ser um aliado importante no processo de aprendizado.

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