QAnon pode ajudar Trump a vencer

Coluna semanal de Ronaldo Lemos na Folha de São Paulo

publicado em

3 de novembro de 2020

categorias

{{ its_tabs[single_menu_active] }}

tema

Grupo, na prática, é uma rede articulada cuja estratégia é uma das mais sofisticadas evoluções dos métodos de propaganda

QAnon é uma das mais bizarras estratégias políticas já colocadas em prática. Sua origem são os subterrâneos profundos da internet. Já suas raízes estão fincadas na linguagem dos videogames, do situacionismo e de como o espaço público da rede pode ser instrumentalizado com relativa facilidade por grupos coordenados e bem financiados.

A palavra QAnon é, na superfície, só uma teria da conspiração. Mas só na superfície. O personagem “Q” seria um agente federal nos EUA que possui o mais elevado acesso a informações confidenciais, o nível Q. Esse agente teria se rebelado e decidido contar a “verdade” publicamente. Essa verdade é que o mundo seria governado por uma cabala de pedófilos satanistas, que teriam como atividade principal gerir uma rede global de tráfico de crianças.

A única força que ameaça o poder do grupo seria Donald Trump.

Para quem lê essas palavras pela primeira vez, a conclusão é de insanidade. Apesar disso, essa tática tornou-se uma corrente forte no ciclo eleitoral. Há pelo menos 44 candidatos ao Congresso nos EUA que que assumem sua filiação ao “Q”. Nos eventos públicos de campanha há grupos de pessoas usando camisetas com a letra “Q”.

O próprio Trump já usou linguagem originada da teoria.

Na prática o QAnon é uma rede articulada de produção de propaganda. Em termos técnicos, é uma rede de Datti (Desinformação Adversarial, Táticas e Técnicas de Influência). Sua estratégia é uma das mais sofisticadas evoluções dos métodos de propaganda. Seu funcionamento ocorre por meio de um tripé de estratégias:

Primeiro, a coordenação entre pessoas anônimas pela rede, tática tornada famosa pelo grupo Anonymous (que o QAnon homenageia em seu nome).

Segundo, a exploração de técnicas psicológicas como a chamada fixação funcional, muito comum em videogames.

Terceiro, os métodos desenvolvidos pelos chamados jogos de realidade alternativa (Alternative Reality Games), iniciados nos anos 2000 e aplicados à vida real com o auxílio da internet.

Em resumo, o QAnon influencia porque incentiva as pessoas a se tornarem “detetives” na internet, em busca da “verdade”. Para isso, os mantenedores da estratégia espalham pistas muito bem escondidas pela rede. Um vídeo ali, uma informação em um site aqui, uma frase de um discurso político acolá.

Ao não entregar a informação pronta, o QAnon dá às pessoas uma sensação de inteligência e satisfação ao permitir que descubram “por si mesmas” essa verdade oculta, cuidadosamente espalhada.

É a mesma sensação que vários videogames provocam nos seus jogadores ao criar quebra-cabeças que dependem de descobrir e juntar vários elementos separados dentro da estrutura do game para subverter sua fixação funcional. Quem quiser experimentar o prazer que esse tipo de estrutura provoca pode jogar o brilhante game Dandara, desenvolvido pela empresa de Belo Horizonte Longhat Studios, adquirido pela Nintendo.

Para replicar essa estratégia, o QAnon conta com grupos que investem tempo e dinheiro para manter essa tática tão sofisticada.

Várias redes sociais baniram nos últimos meses informações relacionadas ao QAnon. No entanto, devido a sua estrutura rizomática, esse banimento tem eficácia apenas parcial. É como se a extrema direita tivesse lido Guy Debord e Deleuze e entendido todas suas implicações para a internet.

READER

Já era
Brasil sem lei de proteção de dados pessoais

Já é
Lei Geral de Proteção de Dados em vigor

Já vem
Outra lei de proteção de dados específica para a área de segurança pública?

{{ pessoas.pessoaActive.title }}

×