Três visões sobre como salvar a internet e, por consequência, as democracias

Coluna semanal de Ronaldo Lemos publicada na Folha de São Paulo

publicado em

16 de março de 2021

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Autores discutem como plataformas condicionam identidades como peixe no aquário

A semana passada começou com um artigo de fôlego da jornalista Anne Applebaum na revista The Atlantic. O tema: como salvar a internet e, por consequência, as democracias.

Anne é vencedora do Prêmio Pulitzer e autora do livro “O Crepúsculo da Democracia”. Em texto de fôlego, ouviu especialistas de várias regiões sobre como prevenir que as plataformas digitais continuem a erodir a democracia.

O artigo abre lembrando o elogio que Tocqueville fez às características sociais da democracia norte-americana, exercida por meio dos clubes, das associações, das igrejas e de outras instituições coletivas. A partir daí, Anne constata que a situação hoje é “um pesadelo exatamente oposto a essa visão”.

A situação atual é de anomia e atomização. As redes sociais podem até dar a impressão de convívio social na medida em que as pessoas curtem, comentam e dão likes, mas esse convívio é ilusório, na visão dela.

Anne propõe que é preciso reconstruir o elemento humano na rede, permitindo novas formas de solidariedade reais, tal como os clubes do passado.

A tarefa é complexa e passa por experimentar com modelos de decisão coletiva online, como Audrey Tang fez em Taiwan. Ou ainda, resolver o problema das identidades falsas na rede, eliminando o domínio dos robôs e das contas falsas.

Há até a ideia de criar uma BBC para a internet, assegurando o surgimento de espaços públicos, autônomos com relação a governos ou a interesses exclusivamente privados.

Na mesma linha, teve artigo do antropólogo Hermano Vianna na Ilustríssima deste domingo (14). No texto, Hermano nos lembra de como a apropriação das estratégias de comunicação das contraculturas e das subculturas (do punk ao Luther Blissett, do situacionismo aos games de realidade alternativa) foram instrumentalizadas em favor da promoção do niilismo de que Applebaum reclama no seu artigo.

No artigo, Hermano faz uma análise detalhada de como as vanguardas foram invertidas: em vez de apontarem para a frente, apontam para o nada. Esse tema é chave para superar a crise das
democracias. Como criar novas vanguardas construtivas?

Um vislumbre de resposta apareceu no texto da ensaísta Caroline Busta, publicado na revista Document. Com o título “A internet não matou a contracultura, você apenas não irá encontrá-la no Instagram”, Busta investiga um dos paradoxos dos nossos tempos: mesmo os posicionamentos mais transformadores e mobilizadores dependem das plataformas digitais. São peixes condicionados pelo aquário.

Nas palavras dela: “Para ser realmente contracultural hoje, em tempos de hegemonia tecnológica, é preciso acima de tudo evadir-se das plataformas, o que pode implicar abandonar a sua identidade pessoal online”.

Busta entende que um caminho intermediário são os espaços opacos da internet, nos quais a identidade pessoal não é relevante e não pode ser condicionada pelas plataformas.

Ela chama a atenção para o fato de que o poder real hoje não é espalhafatoso nem identitário. Ele é discreto e não precisa de redes sociais para se manifestar. Nesse sentido, sua proposta é a construção de novos modos de vida que superam a dependência que existe hoje do ego com relação à rede.

Esses três textos analisam o mesmo problema de ângulos diferentes, tal como a fábula dos cegos apalpando o elefante. Que colossal esse elefante.

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Já era Poder viajar livremente

Já é Passaportes de saúde, exigidos para viagens internacionais

Já vem Retomada das viagens de turismo, mas não das viagens de negócio

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