Tudo virou cultura de fãs (fandom)

Coluna de Ronaldo Lemos publicada na Folha de São Paulo

publicado em

14 de julho de 2021

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Bitcoin ou stellar? Magalu ou Mercado Livre? No capitalismo tardio, a carteira é novo coração

Nos anos 2000, fui com o antropólogo Hermano Vianna tentar entender como os fãs de animação japonesa no Brasil conseguiam organizar festivais para 15 mil pessoas sem passar pelo radar das instituições tradicionais.

Para quem olhava de fora, parecia um nicho. Para quem olhava de dentro, via que era um barril de pólvora de uma efervescência capaz de mover montanhas. O combustível dessa efervescência era a “cultura de fãs”, algo que depois foi batizado de fandom (fan+kingdom, o reino dos fãs).

Corte para 2021. Tudo hoje está virando fandom. Da política às criptomoedas, passando pelo futebol e as relações de consumo com empresas e marcas, tudo é movido por paixões ardentes que alternam amor e ódio. Não existe mais espaço para sentimentos mornos, tudo virou flá-flu. É preciso saber em que time você está e, por consequência, os times contra os quais você torce.

Os sinais do fandom tomando conta das instituições estão em toda parte. A subida das ações da GameStop nos EUA, por exemplo. Ou a ascensão e a queda meteórica da criptomoeda dogecoin. Ou, ainda, o culto a Elon Musk, que consegue mobilizar seus fãs para comprar de carros a bitcoin.

No Brasil, a cultura de fãs também se transforma. O Cruzeiro lançou há pouco tempo sua própria criptomoeda. Os torcedores pagam a partir de R$ 25 para adquirir um token digital. Os detentores do token receberão nos próximos anos um percentual do valor que o Cruzeiro ganhar vendendo o passe de jogadores para outros times. Além disso, o fã pode comprar e vender o token quando quiser e ganhar dinheiro com a flutuação do valor de mercado.

A estratégia do Cruzeiro é usada também por celebridades, influenciadores e qualquer entidade que mobilize fãs. Por exemplo, a banda de rock dos EUA chamada Portugal The Man lançou sua própria criptomoeda, o PTM. Os fãs-adquirentes ganham benefícios na compra de ingressos, acesso a novas músicas e podem, tal como no Cruzeiro, negociar a moeda à medida que o preço vai subindo ou descendo. Ganham ou perdem junto com o aumento ou declínio do prestígio da banda.

O apogeu do fandom revela exatamente isto: tudo que gera paixões, gera valor e, graças às criptomoedas, transforma-se em dinheiro real. Mais do que isso, essa é uma revolução no mercado cultural. Uma forma de relação nova entre fãs e criadores, em que o fã se torna também empreendedor junto com o artista que apoia.

A lição é: as marcas precisarão entrar cada vez mais na dinâmica do fandom. No Brasil, marcas como o Nubank ou o Magalu já foram há tempos engolfadas pela cultura de fãs. As próprias criptomoedas, aliás, são hoje produto da paixão de fãs que ardorosamente as defendem, inclusive com suas poupanças.

Você é bitcoin ou stellar? Ethereum ou hathor? Nubank ou Inter? Magalu ou Mercado Livre? Flamengo ou Fluminense? Talvez Cruzeiro? Cada vez mais a sua carteira se tornará o órgão capaz de expressar suas paixões. No capitalismo tardio, a carteira é novo coração.

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