Tumblr tenta esconder pornografia, mas mostra demais – Carlos Affonso no Tecfront

publicado em

11 de dezembro de 2018

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Tudo começou com a pornografia. No meio dos anos noventa, foi aprovada nos Estados Unidos a Lei da Decência nas Comunicações (Communications Decency Act). Elas impediam jovens de acessarem conteúdo adulto na rede. Boa parte, porém, foi declarada inconstitucional. Neste ano, no Reino Unido, uma nova regulação passou a obrigar a instalação de filtros de idade em sites que exibem pornografia. A disputa sobre como isso vai ser implementado já dura meses.

Aqui no Brasil, o deputado federal Marcelo Aguiar (DEM-SP) citou estudos que “informam um aumento no número de viciados em conteúdo pornô e na masturbação devido ao fácil acesso pela internet e à privacidade que celular e o tablet proporcionam” para apresentar em 2016 um projeto de lei que obrigaria provedores de acesso à internet a “criar sistema que filtra e interrompe automaticamente na internet todos os conteúdos de sexo virtual, prostituição, sites pornográficos.”

Na exposição de motivos do projeto de lei (PL nº 6.449/2016), o deputado afirma que os jovens seriam: “mais suscetíveis a desenvolver dependência e já estão sendo chamados de autossexuais — pessoas para quem o prazer com sexo solitário é maior do que o proporcionado, pelo método, digamos, tradicional.” O deputado acabou não sendo reeleito neste ano, e o projeto foi apensado a outra proposta igualmente controvertida: a da criação de um cadastro de internautas brasileiros.

O debate sobre proibições e filtragens de conteúdo adulto ganhou um novo capítulo nesta semana com a decisão do Tumblr de excluir de sua plataformaimagens e vídeos que contenham elementos sexuais. A decisão veio após o aplicativo ter sido banido da App Store sob a acusação de que exibia pornografia infantil.

O CEO da empresa, Jeff D’Onofrio, afirmou que o passo foi dado para garantir que os usuários possam desfrutar de um espaço mais positivo e criativo. Ele também lembrou que implementaria a medida com filtros.

Foi um tiro no próprio pé. A comunidade de usuários da plataforma não gostou nada. Como grande parte das redes sociais procura banir conteúdo que possa ser caracterizado como adulto, o Tumblr acabou se tornando um local em que não só informações sobre sexo eram divulgadas, como também onde várias manifestações artísticas que se valem de elementos sexuais podiam ser compartilhadas. O que não falta na internet são sites de pornografia, especialmente com streaming de vídeo. A experiência que o Tumblr oferecia era diferente. Em volta dela, surgiu uma comunidade que agora tem prazo para acabar: dia 17 de dezembro.

Logo depois do anúncio, várias postagens no Tumblr começaram a ser marcadas como “conteúdo adulto”. O CEO da empresa disse que os filtros poderiam cometer erros, mas daí a classificar como conteúdo adulto fotos de um peito de frango, da entrada de uma caverna e de pessoas jogando tênis de mesa vai uma grande distância.

No final das contas, as falhas grotescas do Tumblr em classificar o que é efetivamente o conteúdo adulto acabou reforçando as limitações de outro argumento que está cada vez mais em pauta: o artigo 13 da nova proposta de Diretiva europeia sobre direitos autorais.

YouTubers dos mais diferentes perfis começaram uma campanha contra o artigo 13, que vai impor um filtro de upload a grandes plataformas, como o Youtube, com a finalidade de impedir violações de direitos autorais. Algumas empresas, como a Google, investiram ao longo dos anos para criar filtros mais eficazes em suas plataformas. É o caso do ContentID, que faz o flag de conteúdo protegido por direito autoral no YouTube. O que a Diretiva europeia faz é tornar isso uma obrigação, alcançando diversas outras plataformas, que serão responsabilizadas caso acabem por exibir o material.

O que a dificuldade do Tumblr em filtrar conteúdo adulto mostra é que a aposta por parte de legisladores do mundo todo em mecanismos de filtragem ainda está distante da realidade. Se para áudio e vídeo, o Google conseguiu com algum sucesso desenvolver um mecanismo de identificação e filtragem de conteúdos (e a Microsoft também como o PhotoDNA), não é de se esperar que esses mecanismos sejam isentos de erros. Se não mais por nada, esses mesmos filtros regularmente falham ao considerar como ilícitas a inclusão de trechos de músicas ou filmes em vídeos caseiros que estariam protegidas como limitações e exceções aos direitos autorais (o chamado fair use no direito americano).

Sendo assim, na semana em que os protestos contra o artigo 13 ganharam mais força, inclusive com vídeos do Felipe Netto dissertando sobre o Direito Autoral Europeu (vivemos para ver isso!), o Tumblr deu um belo exemplo de como a solução dos filtros é complicada.

Como ensinar para um filtro o que é pornografia? Em uma decisão de 1964, na Suprema Corte dos Estados Unidos, o ministro Potter Stewart disse que é difícil definir obscenidade e pornografia hardcore, mas que ele “reconhece quando vê” (I know it when I see it). Infelizmente o ministro faleceu em 1985, muito antes do desenvolvimento da Internet comercial e das grandes plataformas de conteúdo. O conhecimento que ele levou consigo está fazendo falta para robôs que olham e não sabem o que veem.

Muitos sites publicam notícias em que celebridades “se descuidam” e “mostram demais. No caso do Tumblr, ao implementar sem cuidado um filtro notoriamente falho, a plataforma acabou mostrando como os próprios filtros ainda estão de longe de se tornar uma ferramenta que possa ser exigida pelos legisladores do mundo afora. A liberdade de expressão agradece. Quem se descuida mostra demais.

 

 

Carlos Affonso Souza

Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade