Uso de dados de celular na Covid-19

Coluna semanal do Ronaldo Lemos publicada na Folha de São Paulo.

publicado em

27 de abril de 2020

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A crise da Covid-19 suscitou um importante debate sobre o uso de dados de celular no seu combate. Há pelo menos três modelos que vêm sendo adotados nesse sentido: a) uso de dados de localização agregados e anonimizados; b) monitoramento individual da circulação de cada indivíduo; e c) monitoramento e exposição em mídias sociais de todas as pessoas infectadas.

O uso de dados de localização agregados e anonimizados é o adotado pelo governo do estado de São Paulo e o que havia sido anunciado pelo governo federal em 27 de março, mas acabou sendo cancelado recentemente.

A aplicação desse modelo é a criação de um índice de distanciamento social, com o objetivo de medir o percentual de pessoas de uma cidade, bairro ou região que estão em casa ou sem se deslocar. O produto é a geração de mapas de calor (heatmaps) que mostram as áreas com mais movimentos (em vermelho, por exemplo) e as áreas com menor movimento (em amarelo, por exemplo).

Nesse modelo, os dados são anonimizados e agregados. Não há necessidade de compartilhar o deslocamento individual, mas apenas o índice geral de deslocamentos na região. O foco é na árvore, e não na floresta.

Pela lei geral de proteção de dados aprovada no Brasil, dados anonimizados não são considerados dados pessoais, já que não são capazes de identificar um indivíduo. Sua utilização é permitida.

É claro que a anonimização deve ser bem-feita. A lei exige um padrão mínimo para isso. É considerado anonimizado o dado que “não pode ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento”.

Já o modelo de monitoramento individual da circulação de cada indivíduo usa, sim, dados pessoais. Nesse caso, acompanha-se o deslocamento de cada pessoa e com quem ela se encontra. É o chamado “contact tracing” (rastreamento de contatos).

O resultado do modelo não é um mapa de calor. É, sim, uma rede detalhada listando cada pessoa e com quem ela se encontrou, bem como as pessoas com quem ela se encontrou, e assim por diante. Se alguém cruzar com uma pessoa infectada, toda a rede de pessoas que tiveram contato com ela é colocada em quarentena.

Esse modelo foi adotado pela Coreia do Sul. Sua aplicação só faz sentido se for conjugada com a aplicação massiva de testes de detecção da Covid-19. Isso porque é preciso monitorar não só as pessoas que já estão com sintomas mas também as assintomáticas, que são o principal vetor de transmissão.

O projeto do Google com a Apple anunciado recentemente para combater a Covid-19 usa um modelo similar a esse de “contact tracing”, só que sem identificar cada pessoa.

Países como Singapura levaram esse modelo ao extremo. Fizeram a mesma coisa que a Coreia, só que também adotaram a estratégia de publicar o nome de todas as pessoas testadas positivas com Covid-19.

Essa estratégia mais agressiva depois foi repensada e considerada exagerada e com eficácia adicional duvidosa.

Até agora, o Brasil só usou o primeiro modelo, de dados agregados e anonimizados. Outros modelos vão depender da evolução da doença no país e, especialmente, da visão do novo ministro da Saúde sobre a questão dos dados.

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