Vídeos de IA com Laura Bolsonaro dão o tom das eleições de 2026

Coluna de Carlos Affonso Souza no Uol Tilt.

publicado em

15 de agosto de 2025

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Vídeos de IA com Laura Bolsonaro convocam usuários a apoiar o ex-presidente, usando fotos reais ou recriações digitais para engajar emocionalmente

“Oi, eu sou Laurinha Bolsonaro, eu sou só uma criança, mas até eu percebo o que estão fazendo com o meu pai. Estão calando a única voz que lutava pelo povo”. Assim começa um dos diversos vídeos que usam fotos de Laura Bolsonaro para, com o uso de inteligência artificial, convocar os usuários das redes sociais a compartilhar, curtir e comentar conteúdos em defesa do ex-presidente.

Os vídeos usam fotos reais da adolescente ou simplesmente criam versões digitais que pretendem retratá-la (com maior ou menor fidedignidade). A IA termina por criar versões animadas das fotos, como se fosse a própria Laura mandando um recado. A mensagem não poderia ser mais direta, como “atenção, patriotas, cliquem em todos os botões ao lado” ou “Bolsonaro precisa de 5 mil brasileiros para apertar todos os botões ao lado e comentar de qual cidade você é”.

O efeito é imediato: o apelo emocional de uma jovem, somado ao tom de urgência, procura engajar rapidamente os usuários, impulsionando o conteúdo nos algoritmos das plataformas. Nos comentários às publicações não faltam contas postando coisas como “estamos com você, Laurinha!” ou pessoas fazendo vídeos convocando os seguidores a “apoiarem a Laurinha”.

Da foto ao discurso político em minutos

Como você já percebeu, Laura Bolsonaro não fez quaisquer dessas publicações, nem existem nas redes evidências de que as criações tenham sido autorizadas. Com o avanço das ferramentas de IA, é cada vez mais fácil gerar vídeos com falas a partir de uma simples fotografia. Softwares de clonagem de voz e de animação facial permitem, em minutos, criar um vídeo em que qualquer pessoa parece falar qualquer coisa — com resultados que podem até ser convincentes.

Embora muitas montagens sejam detectáveis por um olhar mais treinado, parte do público, especialmente com menor familiaridade com tecnologias digitais, pode não perceber a manipulação. Outro grupo pode simplesmente nem ligar e compartilhar a publicação porque se identifica com o conteúdo. Foi-se o tempo em que os debates sobre desinformação miravam apenas os inocentes do Leblon.

Diversas plataformas de redes sociais possuem em seus termos de uso a proibição de que sejam criados ou publicados conteúdos que manipulem imagens de terceiros, sobretudo de crianças e de adolescentes. E aqui reside uma questão sobre moderação de conteúdo. Hoje, qualquer rede social que começar a derrubar os vídeos da Laurinha digital —seja por uso não autorizado de IA ou manipulação de imagem— vai acabar sendo acusada de censura política. Imagina a temperatura desses debates em 2026.

Campanha sem Bolsonaro real, mas com Bolsonaro digital

O contexto político que começa a se formar para as eleições de 2026 está andando lado a lado com a evolução das ferramentas de IA. Como lembra a antropóloga Isabela Kalil, a perspectiva de Jair Bolsonaro estar preso em 2026, e proibido de usar suas redes sociais, pode impulsionar a campanha (seja a dele, seja de aliados) a recorrer massivamente a avatares e conteúdos sintéticos para espalhar as suas mensagens. Se não tem o Bolsonaro real, vira-se com o Bolsonaro digital.

Se vídeos como os de Laura já mostram alto potencial de engajamento em algumas redes, nada impede que versões digitais do próprio ex-presidente sejam usadas para falar com seus eleitores, contornando restrições legais e criando uma zona desafiadora para a fiscalização eleitoral.

IA e avatares na legislação eleitoral

A resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que valeu para a eleição passada proibia o uso de avatares por parte de campanhas eleitorais e exigia que conteúdos sintéticos fossem identificados como tal. Nos vídeos da Laurinha digital, não há qualquer marcação de que se trata de material criado por IA.

Se essa for uma amostra do que vem pela frente em 2026, a IA pode acabar sendo uma bomba de efeito retardado. Diversos países, inclusive o Brasil, se prepararam para uma enxurrada de conteúdos sintéticos, que acabou não se concretizando, nas eleições de 2024. Tivemos alguns episódios mais notórios de áudios fabricados e, como sempre, imagens de candidatas mulheres sendo manipuladas para criar conteúdos de natureza sexual. Tudo proibido pela legislação comum e pelas regras eleitorais.

Com o avanço das ferramentas de IA, podemos esperar que a onda dos conteúdos sintéticos virá mesmo nas eleições de 2026? E se esse for o caso, quais atualizações precisam ser feitas nas regras eleitorais, nas práticas de moderação de conteúdo das plataformas e no comportamento de todos nós? Vamos precisar de bem mais do que cinco mil brasileiros para deixar de curtir e compartilhar conteúdos fabricados e entender as artimanhas de campanhas eleitorais cada vez mais artificiais.

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