Carta aberta em defesa da Liberdade de Expressão na Internet

publicado em

27 de novembro de 2019

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O Brasil está prestes a tomar uma decisão importante sobre o futuro da Internet no País. Construído a partir de um processo de consulta que contou com milhares de contribuições, o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) criou um regime de responsabilização para os provedores como redes sociais, sites de vídeo, enciclopédias, aplicativos de mensagem e qualquer plataforma (inclusive jornalísticas) que contem com comentários e contribuições de seus usuários.

 

Segundo o artigo 19, cabe ao Poder Judiciário – e não às empresas de tecnologia – decidir se um conteúdo é lícito ou ilícito, tornando assim os provedores responsáveis caso não cumpram com uma ordem judicial que determine a remoção do texto, da foto ou vídeo. Antes disso, os tribunais brasileiros decidiam das formas mais diferentes, ora fazendo o provedor responsável só porque o conteúdo foi exibido, ora porque não se atendeu a uma notificação privada. Essa incerteza sobre o regime de responsabilidade era prejudicial para qualquer pessoa que quisesse começar um negócio na Internet, montar um site ou lançar um aplicativo.

 

O Supremo Tribunal Federal vai agora decidir sobre a constitucionalidade do artigo 19. Sem esse artigo, sites dedicados a receber críticas de consumidores poderão ser obrigados a remover comentários caso o fornecedor faça uma simples denúncia. Iniciativas de caráter jornalístico vão remover conteúdos assim que alguém enviar notificação alegando que a matéria está causando danos à honra. Startups vão pensar duas vezes antes de deixar que usuários façam upload de conteúdo nas suas plataformas.

 

Os grandes provedores talvez tenham poder econômico e conhecimento jurídico para litigar esses casos; para todas as demais empresas, organizações e indivíduos, esse é um cenário que desestimula a inovação e prejudica a economia e a geração de empregos ligados à Internet no País. A proteção da liberdade de expressão tem importantes efeitos econômicos.

 

Da mesma forma, entidades da sociedade civil podem ver as suas atividades prejudicadas ao serem obrigadas a remover conteúdos postados por terceiros mediante simples notificação.

 

Como o diz o próprio artigo 19, a sua criação se deu “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”. Voltar ao regime que vigorava antes de 2014 é lançar o Brasil em um cenário de insegurança jurídica, alimentando os incentivos para que os provedores passem a remover conteúdos assim que recebam qualquer reclamação. O risco aqui é a criação de uma Internet menos plural, em que qualquer comentário crítico seria removido por receio de responsabilização.

 

O texto do Marco Civil conta com amplo apoio internacional: do próprio pai da World Wide Web, Sir Tim Berners-Lee, aos relatores para liberdade de expressão da Organização da Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA). O processo de criação da lei brasileira serviu de inspiração para a Declaração de Direitos na Internet, aprovada no Parlamento italiano. O seu regime de proteção da liberdade de expressão foi ainda referido em importante decisão da Suprema Corte da Argentina sobre responsabilidade na Internet.

 

A Declaração Conjunta de 2011 sobre Liberdade de Expressão e a Internet estabelece que “ninguém que simplesmente forneça serviços técnicos da Internet, como fornecer acesso, pesquisa, transmissão ou armazenamento em cache de informações, deve ser responsabilizado pelo conteúdo gerado por terceiros e disseminado através desses serviços, desde que não intervenham especificamente nesse conteúdo ou se recusem a obedecer a uma ordem judicial para removê-lo, quando tiverem capacidade para fazê-lo”.[1] No mesmo sentido, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (OEA) sustenta que a responsabilidade deve ser imposta aos autores do discurso em questão, e não aos intermediários.[2]

 

Dessa forma, os signatários desta carta encorajam a todos a participar da defesa do artigo 19 do Marco Civil da Internet, como forma de assegurar a liberdade de expressão, o acesso à informação e a inovação na rede, baseado no equilíbrio de direitos e responsabilidades, visando ao pleno exercício da democracia e da cidadania no Brasil.

 

Os signatários esperam que esses elementos sejam levados em consideração pelo Supremo Tribunal Federal e que o mesmo, em sintonia com a defesa da liberdade de expressão que pauta a jurisprudência da Corte à luz da Constituição Federal, decida assim pela constitucionalidade do artigo 19.

 

Assinaturas:

Access Now
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI/FGV DIREITO SP)
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Dr. Edison Lanza (Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos)
Fórum Nacional pela Democratização
Fundación Ciudadanía y Desarrollo de Ecuador
Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI/UFPR)
Instituto Beta para Internet e Democracia (IBIDEM)
Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS)
Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec)
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio)

INTERNETLAB
Núcleo de Direitos e Novas Tecnologias (DROIT/PUC-Rio)
Núcleo de Inovação Tecnológica (Legalite/PUC-Rio)
Plataforma de Liberdade de Expressão e Democracia (PLED/FGV)

Prof. André Lemos (Professor Faculdade de Comunicação da UFBA)
Prof. Cristiano Dionísio (Coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário UniDomBosco – Curitiba)
Prof. Diogo Rais (Prof. Universidade Presbiteriana Mackenzie/Coordenador do Instituto de Liberdade Digital)
Prof. Marco Antonio da Costa Sabino (Coordenador do WebLab/Ibmec)

Bruno Zullo, pesquisador
Fábio Bastos
Henrique Rocha, advogado
Rafael Dresch, advogado
Rodrigo Dias de Pinho Gomes, advogado

 

Para assinar esta carta, por favor envie um e-mail para celina@itsrio.org  e/ou victor.silveira@fgv.br

 

[1] Relator Especial das Nações Unidas (ONU) sobre a Liberdade de Opinião e Expressão; Representante da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) para a Liberdade dos Meios de Comunicação; Relatora Especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a Liberdade de Expressão; e Relatora Especial da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) para Liberdade de Expressão e Acesso à Informação. Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Internet. Assinada em 01.06.2011 e disponível em: http://www.oas.org/en/iachr/expression/showarticle.asp?artID=849&lID=1

[2] http://www.oas.org/en/iachr/expression/docs/publications/INTERNET_2016_ENG.pdf