Divulgação de mensagens privadas pode acabar nos tribunais

Coluna semanal do Carlos Affonso publicada no UOL.

publicado em

24 de janeiro de 2019

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Mensagens privadas deveriam permanecer privadas. Essa é a regra. Não importa se foi um textão ou um textinho, se foi um áudio ou se foi um vídeo, se você abriu o seu coração ou se soltou os cachorros: mensagens particulares, salvo em casos excepcionais, não deveriam sair da esfera de confiança em que foram trocadas.

É claro que podem existir situações nas quais uma pessoa precisa revelar o conteúdo da mensagem para fazer prova em juízo. Não tem como demonstrar que um dano foi causado se você não comprova o que foi dito. Mas será que a facilidade com a qual trocamos mensagens hoje em dia não tornou a comunicação trivializada?

Quando tudo pode ser encaminhado, compartilhado, copiado e colado, será que ainda há espaço para a privacidade em aplicativos de mensagens privadas? Muitos aplicativos usam criptografia de ponta-a-ponta para impedir que terceiros vejam o conteúdo das mensagens. Além disso, os aplicativos podem permitir que o remetente apague a mensagem ou mesmo que o seu conteúdo seja deletado logo após a visualização. Mas o que fazer se uma mensagem privada virar pública?

Quanto mais íntimos forem os relacionamentos e a troca de mensagens, maior o dano que pode ser causado com essa exposição indevida. Recentemente chegou ao fim o namoro entre a apresentadora Maria Cândida e o consultor financeiro Mauro Calil. Depois do namoro ter começado com um pedido feito ao vivo na televisão, o término do relacionamento veio pelo WhatsApp. O consultor chegou a postar no Instagram uma imagem que reproduzia uma mensagem privada enviada pela apresentadora comunicando o fim da relação.

O namoro entre a apresentadora e o consultor terminou com os dois fazendo postagens logo em seguida e afirmando que o relacionamento acabou, mas que amizade continuava. Em sua mensagem na rede social a apresentadora disse que estava triste, mas que não pretendia “entrar em detalhes porque isso só pertence a nós.”

A divulgação de uma mensagem privada pode acabar tomando rumos sérios. O Código Penal, no artigo 153, determina a pena de detenção de um a seis meses, ou multa, para quem “divulgar a alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem.” Cabe à vítima buscar a condenação do ofensor.

Além disso, os danos causados pela divulgação de mensagens privadas podem também gerar ações indenizatórias, que buscam recompor os danos materiais e morais que podem ter sido gerados pela exposição. Os tribunais, nesses casos, vão avaliar o conteúdo da mensagem, o grau de publicidade que lhe foi indevidamente conferida e qual foi o impacto sofrida pela vítima.

Pouco a pouco, os tribunais brasileiros já começam a decidir casos envolvendo conversas trocadas por aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp. No final de 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu que um síndico não tinha sofrido danos ao ser cobrado por um condômino no grupo de moradores.

Mostrando que o conteúdo de mensagens privadas podem acabar na Justiça, o mesmo tribunal já decidiu que não havia dever de indenizar por danos morais em um caso de briga de família que foi parar no WhatsApp. Duas mulheres começaram a trocar mensagens privadas bastante agressivas, como “AGORA FALA P SEU MARIDO ELE NÃO É NADA NÃO PRECISAVA GRITAR E NÃO ESPEROU EU EXPLICAR, ELE NÃO GRITA MAIS PORQUE EU NÃO TENHO MEDO DESTE M****”, “É FÁCIL SEUS PILANTRA DESFRUTAR DE COISA BOA NAS COSTAS DOS OUTROS”, “ELE FALOU DO MEU PAI MAS ESSE VERME É PIOR POIS ELE PAGARÁ AQUI MESMO”, “OLHA QUERIDA TUDO MUNDO FAMÍLIA JÁ SABIA QUE VC NÃO PRESTAVA KKK.”

É interessante notar que o tribunal reforçou o entendimento de que não havia dano moral porque a autora dos impropérios, no dia seguinte, pediu desculpas dizendo “Bom dia. Não durmi[sic], pensei muito ontem. Vcs não tem culpa de nada. Fiquei transtornada sim. Mas ainda estava irritada desde […].” Segundo o Tribunal, “isso dá conta de que, aparentemente, a ré procurou a autora para pedir desculpas pelas palavras proferidas, ato singelo (e raro) que basta à reparação do que não pode ser considerado mais do que uma chateação cotidiana.

Mas cuidado para não achar que toda ofensa no aplicativo pode ser superada com um pedido de desculpas. O TJSP já condenou a administradora de um grupo de WhatsApp por ter postado emojis de carinhas chorando de rir logo após alguns integrantes terem postado ofensas a outro membro do grupo. Comentamos essa decisão aqui.

Então reflita antes de enviar uma mensagem com um tom mais pessoal. Lembre que ela pode chegar a outras pessoas que não apenas o seu destinatário. Vai se declarar, discordar, comentar ou xingar muito nos aplicativos de mensagem? Vale sempre pensar em quem pode ler esse conteúdo e o que aconteceria se ele saísse da sua esfera de confiança. A sua mensagem poderia aparecer em lugares inusitados como em um processo judicial ou em uma coluna sobre tecnologia.

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