Obras de Hemingway e Agatha Christie e até o Ursinho Pooh agora são de todos nós

Leia a coluna da semana de Ronaldo Lemos para Folha de S. Paulo

publicado em

18 de janeiro de 2022

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Um elenco impressionante de criações acabou de ingressar no domínio público

O dia 1º de janeiro sempre é especial. Não só pela virada do ano e as festas (quando possíveis) mas também porque é o dia mundial do domínio público. Nessa data, as obras protegidas por direitos autorais cujo prazo de proteção expirou são promovidas à qualidade de bens públicos universais. Qualquer pessoa pode então utilizar as obras da forma como bem entender, incluindo sua edição, tradução, adaptação, execução pública, incorporação em outras obras e assim por diante.

No ano de 2022, um elenco impressionante de criações acabou de ingressar no domínio público. Uma das mais conhecidas é o Ursinho Pooh, imortalizado pela Disney. O livro “Winnine the Pooh” (no Brasil “O Ursinho Puff”), publicado em 1926, pertence a todos agora, de acordo com a lei dos Estados Unidos.

Ele não está só. O livro “O Sol Também Se Levanta”, de Ernest Hemingway, também se libertou. As obras “O Assassinato de Roger Ackroyd”, de Agatha Christie, “Areia e Espuma”, de Gibran Khalil, e “A Serpente Emplumada”, de D.H. Lawrence, são agora nossas.

No território musical, o ano de 2022 é especialmente importante. Cerca de 400 mil fonogramas entraram no domínio público neste ano.

O volume expressivo tem explicação. A lei dos EUA não era clara sobre o prazo de duração do direito autoral dos fonogramas. O assunto era tratado por um emaranhado de leis estaduais que impediriam que o domínio público chegasse até 2067. A lei federal tratava claramente das composições musicais, que tinham prazo claro. Quanto às gravações, era um deus nos acuda.

Tudo mudou com uma nova lei federal, aprovada em 2018. A chamada Lei de Modernização da Música determinou que os fonogramas começassem a chegar ao domínio público a partir de 1º de janeiro deste ano. Com isso, as inúmeras gravações que estavam represadas agora podem gradualmente ser livres.

Os tesouros incluem Pablo Casals executando obras de Bach e Liszt, o tenor italiano Enrico Caruso cantando óperas de Verdi, Puccini e Leoncavallo, bem como entoando o clássico napolitano “O Sole Mio”. No jazz, temos agora gravações da nova-iorquina Mamie Smith, Sophie Tucker rogando suas pragas em “Some of These Days” e o tocante “Jelly Roll Blues” executado pelo quarteto Norfolk. Tudo bom demais.

No cinema, o clássico do expressionismo alemão “Fausto”, de Friedrich Murnau, e o filme “Terra de Todos”, com a sueca Greta Garbo (que tem ótimas cenas de Carnaval), agora são nossos, ao lado de vários outros de 1926. Esses filmes contêm um manancial de ideias visuais e de narrativas que podem agora ser reinventadas no presente.

Vale lembrar que obras protegidas por direitos autorais muitas vezes se perdem pela impossibilidade de serem republicadas ou mesmo digitalizadas. Apenas um pequeno fragmento da criatividade humana acaba se preservando ao longo dos anos. O domínio público cumpre o importante papel de permitir que as obras que alcançam esse estágio e possam circular e ser preservadas. Mais do que isso, são fonte de criatividade, permitindo que outras obras sejam criadas a partir delas.

Para quem ainda pode ter férias, fica a sugestão: mergulhar na turma do domínio público de 2022.

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