Falência da 23andMe acende alerta sobre dados genéticos

Coluna de Carlos Affonso Souza no Uol Tilt.

publicado em

26 de março de 2025

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A 23andMe, famosa por testes genéticos acessíveis, declarou falência nos EUA, prejudicada por um vazamento de dados e busca comprador para seus ativo

Até algum tempo atrás, conhecer mais sobre o próprio perfil genético era um desafio. Com a evolução tecnológica, na metade dos anos 2000 começaram a aparecer empresas que ofereciam acesso ao mapa genético individual por preços camaradas e através de métodos de coleta simples.

A 23andMe foi uma dessas empresas, ganhando destaque por oferecer kits de DNA acessíveis ao público geral. Com um simples teste de saliva, os clientes podiam descobrir informações sobre sua ancestralidade, predisposições genéticas a certas condições de saúde e até traçar conexões familiares.

Ela foi eleita a “Invenção do Ano” pela revista Time em 2008 e chegou a abrir o capital em 2021, com uma avaliação de US$ 6 bilhões (seis bilhões de dólares), refletindo o entusiasmo do mercado por seu modelo de negócios inovador e sua base de 15 milhões de clientes.

De lá para cá muita coisa mudou. Seu principal produto, que é um teste único, não incentivou uma relação recorrente com a clientela. Um vazamento de dados em 2023, que comprometeu informações de milhões de usuários, abalou ainda mais sua reputação, levando a uma queda expressiva em seu valor de mercado.

Falência e dados

Em 23 de março de 2025, a 23andMe anunciou que entrou com um pedido de proteção contra falência sob o Capítulo 11 da lei norte-americana. Essa medida permite à empresa continuar operando enquanto busca um comprador sob supervisão judicial. O anúncio veio acompanhado da saída da cofundadora e CEO Anne Wojcicki.

Em 2024, a empresa já tinha demitido cerca de 40% de seus funcionários. Agora, com avaliação estimada em menos de US$ 50 milhões, a 23andMe busca um comprador para seus ativos, que incluem não apenas sua marca, mas também um relevante banco de dados genéticos.

Em um processo de falência, os ativos de uma empresa são avaliados e potencialmente vendidos para pagar credores ou maximizar seu valor. No caso da 23andMe, seu banco de dados com informações genéticas e pessoais de 15 milhões de clientes é, sem dúvida, seu ativo mais valioso.

Esses dados, que incluem sequências de DNA, informações de saúde e detalhes demográficos, geram interesse comercial. A política de privacidade da empresa já prevê que, em caso de falência, fusão ou venda, “as informações pessoais podem ser acessadas, vendidas ou transferidas como parte da transação”, o que coloca os dados dos usuários no centro das discussões sobre o futuro da empresa. A incerteza sobre quem adquirirá esses dados e como eles serão usados intensifica o debate sobre privacidade.

O que diz a lei e a corrida para deletar dados

Nos Estados Unidos, a proteção de dados genéticos em empresas como a 23andMe é mais restrita do que em outras partes do mundo. A Lei de Portabilidade e Responsabilidade de Seguros de Saúde (Hippa), que regula a proteção de dados de saúde, a princípio não se aplicaria a companhias de testes genéticos feitos diretamente ao consumidor, pois elas não são consideradas entidades cobertas pela lei (como hospitais ou seguradoras).

Isso deixa os clientes da 23andMe fora do escopo dessa proteção federal. Embora outras regras, como as constantes da Lei de Não Discriminação por Informações Genéticas (Gina), proíbam o uso de dados genéticos por empregadores e seguradoras de saúde para discriminação, elas não regulam a venda ou o uso comercial desses dados em contextos de falência.

A ausência de uma lei federal abrangente de proteção de dados nos EUA, que pudesse cobrir esse caso, como acontece na Europa ou mesmo no Brasil, acaba fazendo com que as legislações estaduais cuidem do assunto. Alguns estados, como Califórnia, Arizona, Flórida e Utah, implementaram leis específicas, como a Genetic Information Privacy Act (Gipa) da Califórnia, que exige consentimento para coleta, uso e transferência de dados genéticos, além de garantir o direito de exclusão dos dados.

Após o anúncio da falência, o procurador-geral da Califórnia, Rob Bonta, emitiu um alerta em 21 de março de 2025, incentivando os residentes a deletarem seus dados da 23andMe.

E se fosse no Brasil?

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) disciplina o tratamento de dados genéticos. A LGPD os classifica como “dados pessoais sensíveis” (art. 5º, II), exigindo proteção reforçada.

Em casos de falência, tanto lá nos Estados Unidos como aqui, bases de dados podem ser um ativo importante nos processos de levantamento de recursos para pagamento de credores ou na negociação com um futuro comprador. É sempre importante manter o titular de dados informado sobre os possíveis usos de seus dados e atender às requisições sobre exercícios de direitos, como aquelas que solicitam a exclusão de contas e de seus dados respectivos.

Caso você tenha usado os serviços da 23andMe, a empresa divulgou um comunicado esclarecendo que continua atuante e que os clientes que assim desejarem podem solicitar o apagamento dos seus dados. Basta entrar na sua conta, confirmar a data de nascimento, e escolher entre as opções de download e eliminação de informações pessoais.

Seja como for, com um banco de dados de milhões de usuários, a empresa tem nas mãos um verdadeiro “patrimônio genético” para pôr na mesa de negociação.

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