Identidade digital, pergunte à Índia

Coluna semanal de Ronaldo Lemos na Folha de São Paulo.

publicado em

3 de junho de 2020

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crise da Covid-19 expôs o quanto o Brasil se desviou do trilho do desenvolvimento. Outros países do Brics vinham prosperando nos últimos anos, promovendo inclusão da população na base da pirâmide social. Uma boa pessoa para falar sobre isso é Nandan Nilekani, um dos articuladores do sistema de identidades digitais da Índia.

Nilekani tem 64 anos e, antes de se juntar ao governo como diretor do órgão de identidades digitais do país, foi um dos fundadores da Infosys, multinacional de tecnologia que fatura US$ 20 bilhões anuais.

Para entender o salto indiano, basta olhar alguns números simples que Nilekani traz em suas apresentações. Em 2008, apenas 17% dos adultos do país tinham conta em banco. Em 2011, a Índia alcançou a média global de bancarização. Em 2018, 80% da população adulta havia sido, ultrapassando em muito a média global.

Pelos caminhos normais de desenvolvimento, essa trajetória de 2008 a 2018 teria levado 46 anos. O que fez a diferença no país foi o uso de tecnologia aliado a uma política pública clara e efetiva. O nome mais popular dessa mudança é o sistema conhecido como Aadhaar (palavra que em hindu significação “fundação”). Trata-se de um sistema de identidades digitais únicas, que resolveu o problema da invisibilidade no país.

Esse problema veio à tona de forma trágica no Brasil. Em tempos de Covid-19, “descobriu-se” que há cerca de 30 milhões de brasileiros fora dos cadastros governamentais. São os invisíveis-ingovernáveis, que inexistem para o Estado.

As filas nas agências da Caixa conjugadas com a insuficiência o aplicativo lançado pelo governo são a superfície desse problema, que no Brasil cobra seu preço em vidas.

Já a identidade digital indiana funcionou justamente como “fundação” para o processo de inclusão social e financeira. Sua principal característica é a simplicidade. O Aadhaar utiliza só quatro dados básicos: nome, data de nascimento, sexo e endereço (ou outro identificador, como telefone). A esses quatro dados a identidade agrega até três identificadores biométricos únicos (digital, íris e rosto). A conjugação desses elementos leva à geração de um número único de 12 algarismos.

Esse sistema torna-se, então, o passaporte único das relações entre cidadãos e governo, contrastando com o Brasil, que vive uma multiplicação de cadastros administrativos e documentos.

Há atualmente na Índia mais de 1,2 bilhão de usuários do Aadhaar. Para abrir uma conta bancária (ou receber benefícios sociais), todas as operações passaram a poder ser feitas pelo celular, dispensando a presença física. Foram abertas 647 milhões de contas bancárias, e US$ 32,4 bilhões em benefícios sociais já foram distribuídos através dele.

Outra característica do Aadhaar é que ele não comporta divisões sociais entre ricos e pobres. No Brasil, os ricos têm acesso a sistemas de identificação digital que permitem fazer algumas ações pela internet (como é o caso do vergonhoso Certificado Digital, coordenado pelo ITI). Já a população mais pobre ou não tem documentação alguma ou vive condenada ao martírio da burocracia de papel.

Resolver o caos do sistema de identificação no Brasil deveria ser tarefa essencial dentre as muitas medidas que o país precisa adotar para retornar ao trilho do desenvolvimento.

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Já era Encostar em tudo sem se preocupar
Já é Medo de tocar em lugares públicos em razão da Covid-19
Já vem Economia low touch (de baixo índice de contato físico)

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