O Vale do Silício está estagnado?

Coluna semanal de Ronaldo Lemos na Folha de S.Paulo.

publicado em

14 de setembro de 2023

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Parte do seu brilho, o ‘soft power’, se perdeu, mas ‘hard power’ segue intacto como nunca

Terminou há pouco o Burning Man, festival anual que acontece no deserto de Nevada, nos EUA. A origem do festival é a cultura de experimentação originada na Califórnia, que reúne de outsiders a comunidades alternativas. No entanto, nos últimos anos o festival foi tomado por participantes da área de tecnologia, virando uma espécie de festa anual do Vale do Silício.

A edição de 2023, no entanto, foi diferente. Choveu forte no deserto, e a poeira dos últimos anos foi substituída por lama. Isso dificultou o deslocamento interno e externo, e autoridades locais recomendavam aos que estavam no festival que economizassem comida e água. Muitas fotos circularam de pessoas se deslocando com dificuldade em meio ao lamaçal.

Essas imagens não demoraram a ser interpretadas como uma metáfora do próprio Vale do Silício. O glamour e o hype dos últimos anos foram substituído por mal-estar e sentimento de estagnação.

A cidade de San Francisco, berço do Burning Man, também virou simbólica. Tornou-se uma mistura de afluência e pobreza, resultante de sua proximidade com o Vale.

É nesse sentido que muita gente tem se perguntado: o Vale do Silício continua inovador? Certamente o surgimento da atual geração de IA (inteligência artificial) é relevante. No entanto, é uma onda que surge junto com um backlash contra ela mesma. Mal a IA generativa surgiu, e um conjunto de demandas contra ela se formou. Está sendo bloqueada por empresas. Autores e criadores demandam direitos autorais. Vários países (incluindo os EUA) trabalham para criar leis e regulações para a IA.

Uma das grandes inovações mais recentes no modelo de negócio das grandes empresas do Vale do Silício já tem mais de 13 anos. Trata-se da coleta massiva de dados, aliada a publicidade direcionada. Esse modelo foi tão bem-sucedido economicamente que gerou uma certa acomodação. Mais de uma década passou e tudo permaneceu praticamente do mesmo jeito.

Curiosamente, foi preciso Elon Musk adquirir o Twitter para que um pouco de experimentação no modelo de receitas voltasse a acontecer. Musk vem tentando cobrar pelo selo de autenticação na plataforma. Está também caminhando para implementar biometria no Twitter (agora X), como base para outros serviços, inclusive financeiros.

Outras empresas notaram esses esforços e fizeram o mesmo. A Meta agora também vende o selo de autenticação. Reportagem do jornal The New York Times na semana passada afirma que a empresa vai experimentar também um serviço de assinatura. Os usuários que pagarem não verão anúncios na plataforma. Algo que o YouTube Premium vem fazendo também.

No entanto, a grande inovação atual do Vale é o avanço da Starlink como um provedor global de internet por meio de satélites de baixa órbita. É a primeira vez que uma única empresa ambiciona se tornar um provedor universal de acesso à internet. Os serviços de todas as outras empresas de internet passam a ser prestados em cima da sua infraestrutura. Quem controla a conexão tem o poder de controlar praticamente tudo. Musk já exerceu esse seu novo tipo de poder na Ucrânia, desligando o serviço em regiões estratégicas que ele mesmo definiu.

Em suma, é um erro apostar no declínio do Vale do Silício. Ele perdeu parte do seu brilho, do seu “soft power”. Já o seu “hard power” continua intacto como nunca.


Já era–Projeto de lei para regular inteligência artificial só na Europa

Já é–Projeto de lei para regular inteligência artificial no Brasil (copiado do modelo europeu)

Já vem–Projeto de lei para regular a inteligência artificial nos EUA (com modelo próprio)

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